O desafio regulatório está posto e ele é multidisciplinar, é tarefa dos reguladores colaborar na construção de pontes entre os diversos setores da sociedade civil organizada.
O conceito de “cidades inteligentes” é sempre bem curioso, pois eu fico pensando como qualificar as demais cidades que não são inteligentes?
Para o Banco Mundial, cidades inteligentes são aquelas que praticam políticas baseadas em intensidade tecnológica e em inovações direcionadas à melhor eficiência dos serviços e do aproveitamento mais sustentável de seus recursos.
Na área energética, soluções que visam a utilização mais racional da eletricidade, digitalização e substituição de combustíveis menos poluentes são partes cada vez mais importantes nessa transformação, logo o transporte público está inserido nessa transformação. Sendo assim a integração inteligente combinada de modais integrados, disponível com a projeção de tempo das viagens através de aplicativos públicos é uma senhora mão na construção dessa cultura, pois de forma integrada ônibus, metrô, VLT, bikes e patinetes fazem a diferença.
Mas isso me parece muito pouco, um misto de acomodação com o que podemos fazer mais e melhor? Com tantos dispositivos e sistemas rodando o tempo todo sem se conversar, penso que o maior desafio que a cidades com a pretensão de serem chamadas de “inteligentes” é entender como a tecnologia disponível na cidade pode se conversar? Como o público conversa com o privado em prol de melhoria para todos? Como os três entes federativos se conversam na melhoria e simplificação na coleta e tratamento de dados? Afinal qual o sentido temos em fazer as pessoas estarem cadastradas em diversos órgãos quando a mera integração desses sistemas poderia e muito melhorar a vida do cidadão, ou das empresas daquela cidade.
O diálogo das partes, pública e privada, a disponibilização do trabalho conjunto, o inventário das tecnologias disponíveis, e dos equipamentos disponíveis, é o primeiro passo para o estabelecimento de uma cidade mais inteligente.
Logo como pensar na cidade do futuro com as pessoas no passado?
Por séculos o ser humano tem imaginado o amanhã, até, em muitas ocasiões, negligenciando o presente. Uma evolução em que temos vindo a crescer como espécie ao mesmo tempo que as cidades. Organismos vivos que, como disse Goethe em referência à arquitetura, é música congelada que ganha vida com o movimento humano.
Evolução, em suma. Um aspecto inerente ao ser humano que no momento aparece com uma nuance importante. Pelo contrário, uma oportunidade. Uma razão para o optimismo que advém do consenso internacional e que procura o interesse geral através da proteção do ambiente, em meio a intervenções diárias feitas pelo desleixo de câmaras municipais nem sempre comprometidas com o futuro da coletividade.
Conceitos, portanto, como a eficiência energética, estão se tornando cada vez mais importantes. Basta olhar para os dados. Na década entre 2010 e 2019, o calor extremo significou que a exposição a ondas de calor, em geral, foi quase 60% maior do que na década anterior, como revelado pelo estudo Lancet Countdown 2022.
E qual o papel das cidades nessas transformação, quantas cidades pensam no aquecimento global quando regulam o Direito de Construir? Já existem algumas experiências interessantes, como o projeto The Line na Arábia Saudita, onde se pretende construir uma cidade do zero completamente eficiente e inteligente. Também sem carros ou ruas, o que reforça a ideia do pedestre. Uma aposta que está em linha com a estratégia de Ana Hidalgo, prefeita de Paris, que propôs um novo modelo urbano que ela chama de cidade de 15 minutos. O objetivo é que todos os cidadãos tenham todos os serviços essenciais a apenas um quarto de hora a pé ou de bicicleta.
E quando você está lendo esse texto fica imaginando quando os pedestres e o transporte coletivo vai ter preferência e conforto em nossas cidades né?
Como transformar as nossas cidades de hoje? Como fazê-la se mover conseguindo sinergias entre as oportunidades econômicas e a sustentabilidade?
No caso europeu, para termos outras referências, muitas cidades já estão empenhadas na eficiência energética através de medidas específicas, como deduções fiscais para promover a reabilitação da habitação. Qual estímulo temos para converter os telhados dos nossos edifícios com adaptados para recolher as águas das chuvas entre outras alternativas de reuso? Quantas são as cidades que obrigam a instalação nas moradias coletivas e prédios comerciais de fontes renováveis de energia solar e ou eólica?
Nesse momento na Espanha, está se fazendo um investimento de trata-se de um investimento de 3.4 bilhões de euros com o propósito de reduzir o consumo de energia primária não renovável em 30%, ao mesmo tempo que ajuda a reduzir as emissões para a atmosfera em 650.000 toneladas de CO2, em clara harmonia com o consenso internacional em prol da luta contra as alterações climáticas, algo na direção da Diretiva de Eficiência Energética da UE 2018/2020. Os seus objetivos são alcançar pelo menos uma redução de 40% nas emissões de gases com efeito de estufa em comparação com 1990 e cerca de 32,5% de melhoria na eficiência energética até 2030.
A regulamentação, que procura estimular essas metas, implica inclusive na troca de materiais, como no caso do uso do vidro, pois segundo relatórios recentes os edifícios europeus poderiam consumir 29% menos energia por ano se tivessem vidro de alto desempenho.
Transformar a cidade onde vivemos, em uma “cidade inteligente” vai além é claro da transformação energética, pois cidades inteligentes são sempre polos de talentos e o que a sua cidade faz na valorização da diversidade?
Esse é um caminho obrigatório, pois em menos de 10 anos, cidades que não sejam inteligentes, vão perder investimento, logo muitos dos problemas simples precisam ser resolvidos, como a mobilidade onde é fundamental investir maciçamente no transporte coletivo, pois não existe inteligência em desperdiçar anos das nossas vidas, parados no trânsito das nossas cidades. É preciso compromisso com o emprego da inteligência artificial no desenhar das nossas rotinas.
O fato é que a IA está sendo usada em absolutamente tudo, mas o talento dentro dessa tecnologia escolhe onde morar.
Não é uma ideia futurista pensar em drones de entrega ou robôs, logo deve-se avançar na sua regulamentação, com a criação de sandbox regulatórios.
É preciso ser inclusivo, e mais do que isso não se inaugura nada disruptivo sem a integração intelectual das universidades com o mundo do trabalho, e o desafio está ai, em construir pontes entre esses segmentos na construção de um pensar coletivo.
(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 20 de Fevereiro de 2023).