CELULARES E OS DADOS DOS SEUS FILHOS

Nesse exato momento em que você esse artigo, você é capaz de dizer o que seu filho está fazendo na internet?

Desde 2005, com a explosão de smartphones que tudo fazem, até ligações, todos em maior ou menor grau passamos uma parte considerável do dia absortos em frente as viciantes telas dos nossos interativos celular. E evidentemente perdemos muito tempo diante delas, mas e nossos filhos, o que fazem com seus olhares ansiosos diante dos seus celulares? O que fazem com esses aparelhos que parecem grudados em suas mãos, acompanhando-os por toda casa? Em tempos de pandemia, o uso é ainda maior, e os torna praticamente um só, e logo o que fazem grudados neles?

Nos últimos anos, os celulares começaram a fazer absolutamente tudo para nós. São assistentes virtuais que fazem ligações, orientam no trânsito, orientam com relação aos nossos compromissos, são nossas agendas, disparam e-mails, acessam redes sociais, enfim, absolutamente quase tudo. E aí começa que o conforto e a facilidade acabam por criar outros problemas que não tínhamos.

Recentemente um artigo no The Guardian muito interessante, “Smartphone agora é ‘o lugar onde vivemos’, dizem os antropólogos“, no qual compara do ponto de vista antropológico as sensações geradas pelo nosso smartphone com o qual nossa casa nos gera, o que nos torna uma espécie de “caracóis” que carregamos nossa casa em reboque, o que acaba por fazer o mesmo com nossos filhos.

Considerando que tudo parece estra no celular, a comparação parece muito apropriada considerando a gama de usos que realizamos em nossos dispositivos, e a sensação de familiaridade gerada por nossas configurações específicas, desde os aplicativos que são instalados, e que acabamos por disponibilizar rotinas bem como localizações, dados com a nossa profusão de dados, a nossa identidade digital, definitivamente nossas rotinas, buscas e curtidas dão a nossa cara digital.

O papel do celular em nossas rotinas quando perdemos ele, tente ver o que acontece depois de algumas horas sem saber onde está? A sensação de estar indefeso, bem como a série de tarefas que deixamos de fazer.

E logo estenda para seus filhos e seus hábitos, afinal o celular é o meio de comunicação e interação com os amigos, catalisados nesses tempos de pandemia, logo procure saber quantos amigos do seu filho, se ele tem mais de 8 anos de idade não tem celular?

Logo rotinas, geram hábitos, e como todos os hábitos podem vir carregados de riscos, e os celulares não são diferentes. Recentemente a “New York Magazine” publicou um artigo que relembra a importância da proteção de dados de crianças na publicidade e na atual utilização de brinquedos e gadgets conectados o tempo todo, uma luta nada fácil diante dos gigantes de tecnologia e suas inúmeras estratégias e recursos para prender a atenção dos nossos filhos.

Veja no caso do uso dos assistentes virtuais, que hoje estão tomando nossas casas, no primeiro passo para a interligação através da Internet da Coisas, na inclusão desses dispositivos em suas rotinas diárias. Logo, a relação das crianças com a Alexa, Siri e seus concorrentes vem se ampliando também. Muitos são os especialistas que dizem que as crianças precisam tratar esses assistentes virtuais de “forma educada”, como se fossem seres vivos, a linha oposta de pensamento não concorda com essa “humanização” das máquinas. No meio disso alguém está colhendo todos esses dados.

Mas esses avanços podem ajudar muito mais nossas crianças, do que simplesmente colher hábitos e preferência, registrando assim todos os seus dados mais íntimos, como as distinções de quando estão alegres ou tristes pela voz?

A chamada geração Alpha, composta por crianças de até 9 anos, já nasceram em um mundo conectado e interagem naturalmente com assistentes de voz, porém, isso não quer dizer que elas acreditem cegamente nas respostas que recebem.

Pesquisas revelam que as crianças não só não confiam nos assistentes de voz, como também tentam testar as informações fornecidas por eles.

Com a crescente popularização das interfaces de voz, como a Alexa, da Amazon, a Siri, da Apple, e o Assistant, do Google, representa uma oportunidade para as crianças, que ainda não são leitores fluentes, pesquisarem de forma independente na internet.

Recentemente a pesquisadora Judith Danovitch, da Universidade de Louisville, nos EUA, percebeu que seu filho de quatro anos fazia perguntas para a assistente de voz da família do tipo “qual é meu nome?” e “qual é a cor da roupa que estou vestindo?”. De acordo com a pesquisadora, que realiza estudos de confiança com crianças, ele estava testando os limites do conhecimento da Siri.

Em artigo publicado no The New York Times, a pesquisadora explica que esse tipo de comportamento sugere que as crianças não têm certeza se as novas tecnologias podem responder às suas perguntas e, às vezes, podem ser totalmente céticas em relação às respostas que recebem, segundo entrevista publicada na Revista Consumidor.

A pesquisa de Judith Danovitch também identificou que as crianças tendem a confiar mais nas respostas de humanos do que nas dadas pelos assistentes de voz, resultado da vagueza das repostas dadas por esses assistentes.

Segundo a reportagem, Danovitch e sua equipe reuniram crianças de 5 a 8 anos e perguntaram “quanto dias Marte leva para dar uma volta ao redor do sol?“. Os pesquisadores mostraram duas respostas diferentes para os jovens: a internet disse 600 dias e sua professora disse 700 dias. As crianças, em sua ampla maioria, confiaram mais na resposta da professora. Esse comportamento faz sentido porque os pequenos conhecem a professora e já desenvolveram um forte relacionamento pessoal com ela.

No entanto, a pesquisadora explica que as crianças têm o mesmo comportamento quando devem escolher respostas de assistentes de voz ou de colegas de classe, o que mostra que o fator “autoridade” da professora não faz diferença.

Essa é uma geração que nasce sobre o mito dos nativos digitais e os seus problemas decorrentes dele na educação e em outros campos.

Esse mito que faz crer que novos tempos tornam nossos filhos iluminados, ainda que privilegiados pelo acesso. Porém, podemos estar diante de um grave erro, ao pensarmos que nossos filhos estão de alguma forma mais preparados para a tecnologia porque nasceram em uma época em que essa tecnologia é uma parte regular de seu ambiente.

E assim essa onipresença faz com que não pareça um elemento estranho, mas de forma alguma os prepara para uso, logo, acreditar que eles serão mais hábeis e mais fáceis simplesmente porque nasceram em um determinado ano, implica não entender os mecanismos da evolução das espécies.

É bom lembrar que não, nossos filhos não são resultantes de modificações genéticas que melhor os prepararam para o uso da tecnologia. Se você acha que eles são muito habilidosos, isso se deve principalmente a três características: 1) Eles não veem os dispositivos como um elemento estranho porque eles vivem cercados por eles. 2) Esses dispositivos são muito bem fabricados e programados, e seu uso é cada vez mais intuitivo para qualquer pessoa, especialmente se você não precisa “desaprender” em relação às tecnologias anteriores. 3) É muito provável que você se acha tão desajeitado em lidar com isso, que qualquer coisa que seus filhos fazem com um dispositivo parece qualificá-los um pouco menos do que ser selecionado pela NASA ou o MIT.

Ainda que seja tentador e confortável para o nosso ego pensar que nossos filhos são talentosos tecnológicos e quase poderiam se formar como engenheiros de foguetes, não é. O problema com o mito dos nativos digitais é que ele é extremamente confortável para nós, por um lado nos faz sentir bem porque qualquer pai adora sentir que seus filhos são maravilhosos e muito inteligentes, mas entregá-los aos seus dispositivos não substitui a boa e velha educação, com todas as suas atualizações.

Usar dispositivos como desligamento infantil ou como babá é uma completa irresponsabilidade, mas o pior ainda é considerar a “tecnologia perigosa” e tentar mantê-los longe dela, isso é profundamente irresponsável e absurdo. Nossa compreensão da tecnologia tem que começar pensando que ela é um elemento permanente da nossa sociedade atual e futura e que o que temos a ver com ela é aceitá-la e preparar nossos filhos para ela.

A primeira regra básica é entender que o maior risco de tecnologia para nossos filhos é ficar longe dela, a partir daí vamos pensar que a tecnologia, como qualquer outro ambiente, requer acompanhamento responsável, dedicação de tempo e recursos, didática e uma série de regras.

Quando foram criados eles tinham uma definição confusa, assistentes domésticos, assistentes virtuais ou alto-falantes inteligentes (lentamente evoluiu para assistentes virtuais).

Esses tipos de dispositivos são na verdade, a combinação de hardware sofisticado composto por sensores, alto-falantes e microfones projetados para fornecer reconhecimento de som e voz de qualidade de qualquer lugar da sala e com sistemas de cancelamento para ser capaz de reconhecer um comando mesmo que a música esteja tocando, com um assistente virtual desenvolvido de forma independente e que de fato, pode ser associado a outros dispositivos.

Todos os dispositivos que registram tudo na sua casa, voz, tom, pesquisas e seus interesses, tudo armazenado na nuvem, em algum lugar do mundo, pois ao aceitar seu uso você abriu mão da sua privacidade em favor da experiência com esses dispositivos.

Eles são gentis, amáveis, e por isso seus filhos o adoram, mas não são seus pais e nem serão seus melhores amigos, são apenas dispositivos digitais dotados de inteligência artificial que aprendem probabilisticamente com a experiência, no chamado aprendizado de máquina.

Cabe a você educar e estabelecer para os seus filhos os padrões e valores, no mais eles podem sim ser bons assistentes, desde que respeitem as normas na guarda dos nossos dados.

Até lá são os pais que ensinam os valores de amizade, carinho e respeito, terceirizar isso é caminhar por uma estrada com resultado duvidoso.

Bem, precisa disciplinar, precisa ter número de horas utilizadas, precisa saber quando desligar e estipular um mínimo de locais em que o celular deve ser permanentemente proibido, esse é o caso da mesa na hora das refeições, seja na primeira ou na última refeição, o olhar para cumprimentar as pessoas é um requisito básico de educação e o celular não pode interromper essa rotina.

Não são poucos os hábitos que as pessoas têm e que conseguem ser pior do que os antigos, em que pese todo o estudo, em que pese todo o avanço. Passamos a ter uma sociedade muitas vezes asséptica onde as pessoas não se falam, tudo é digital e aí nasce mais um grande problema, afinal, o mundo corporativo estuda todos os hábitos do seu filho e sabe como criar designers que criam nele a necessidade de permanecer por horas e horas e horas diante de um celular.

Não existe ingenuidade no mundo corporativo, tudo é feito para vender tempo e feito para coletar dados, tudo é feito para monetizar o uso do celular. Logo, ele tem que ser utilizado de forma equilibrada, utilizado para as necessidades realmente importantes como pesquisas e afins.

A tarefa de educar é e sempre será dos pais, e terceirizar para lógica corporativa dos aplicativos é um erro e um risco assustador.

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