CASAS INTELIGENTES E A NOSSA PRIVACIDADE

Não são poucas as ideias que de forma isolada são incapazes de produzir melhorias em nossas vidas, o mesmo ocorre com os produtos, e o processo de automação de nossas residências esta recheado desses exemplos, porém a possibilidade da conexão de muitos desses produtos instalados em nossas residências podem com a ampliação da internet das coisas, 5G e inúmeros sensores podem mudar e muito as nossas rotinas.

A produção permanente de novas tecnologias, que se desenvolvem em paralelo por vezes passa despercebida para maioria de nós, e até que a conexão dessas diversas tecnologias juntas, começa a fazer diferença.

A incorporação da Inteligência Artificial inicia seu processo de agregar valor de forma gradual, e logo ela só fica visível quando a acumulação gradual de ideias e as provas de sua validez atravessam um limiar, o que faz com que os agentes financeiros, ao perceberam a agregação de valor ampliem seus investimentos, o que faz a engenharia criar um novo produto comercial ou para fazer uma demonstração de impacto.

E assim com a devida cobertura noticiosa e diversas ações de marketing, para demostrar vantagens e tornar o uso didático e necessário, e com o preço mais acessível, seja pela escala ou pela aposta de fabricantes, temos uma nova tecnologia incorporada.

A casa do futuro é inteligente ou apenas conectada? Serão as dezenas de aparelhos conectados na sua casa que podem transformá-la em uma casa inteligente? Afinal se sua casa é inteligente o vizinho sem os mesmos equipamentos estariam morando em uma casa burra?

Ter sua casa cheia de dispositivos de todos os tipos certamente pode transformá-la em algo que podemos descrever como uma casa conectada, apenas isso. O que me faz lembrar o conceito de cidades inteligentes, que por exclusão torna as demais o que?

Inúmeras são as empresas, que trabalham para garantir que suas plataformas e dispositivos não sejam apenas capazes de algo tão básico como ficar razoavelmente seguro e conversando uns com os outros, no que seria a base para um padrão associado à ideia de casa inteligente, smart home, o que nos remete sempre a mesma pergunta, então morando em casa inteligentes poderíamos concluir que somos pessoas inteligentes? Ou estaremos diante de uma nova classificação? Moradores de casa inteligentes e moradores de casas pouco ou nada inteligentes?

Hoje já é possível através do seu telefone e de seus diversos nele instalados conectar quase tudo, desde as luzes, o carro, passando pelos medidores de consumo, o umidificador, os assistentes digitais, o alarme, até quatro câmeras, a campainha, o termostato de aquecimento e a irrigação do jardim. Por outro lado, toda essa constelação de tecnologias dá à sua casa uma complexidade notável, não sendo poucos os aplicativos para isso. Algumas luzes são controladas pelo aplicativo Signify (originalmente Hue), mas outras são controladas por plugues Kasa. Alguns participantes se integram e gerenciam ambos, mas alguns fazem melhor do que outros ou permitem que você programe atalhos mais facilmente, então no final, você geralmente recorre à Alexa para acender as luzes do seu quarto e desligar o resto quando você vai para a cama, mas para o Google Home ou Siri quando você tem dúvidas sobre qualquer coisa.

Tudo isso nos remete a algo muito claro, temos casas conectadas, o que está muito longe de casas inteligentes, pois a inteligência de uma moradia não pode ser uma ilha, pois nenhum de nós é uma ilha.

Casas automatizadas, conectadas podem sobreviver em um ambiente onde nossas, ruas, bairros e cidades são pouco inteligentes? Nossas casas devem ser ilhas onde a tecnologia não se conecta ao bairro, aos órgãos públicos e aos vizinhos?

Nossas casas poderão ser inteligentes se estiverem integradas a uma lógica digital comunitária. Sua inteligência começa no projeto de algo que tenha respeito e interação comunitária, e isso ocorre quando elas respeitam os recursos naturais captando a água das chuvas, quando ela possuem autogeração total ou parcial de energia, através da energia eólica ou solar, funciona quando ela participam da segurança do bairro com o compartilhamento das imagens de suas câmaras de segurança, quando o transporte público esteja conectado a ela avisando a chegada ou partida dos ônibus no bairro, facilitando o nosso deslocamento. A inteligência da casa precisa estar conectada a uma inteligência comunitária de responsabilidade e inclusão digital.

Casas inteligentes não podem ser ilhas de autonomia financeira para uns poucos privilegiados, elas podem e devem começar com o compartilhamento de aplicativos e gadgets que melhorem a vida dos bairros e das cidades, como reconhecimento de placas de veículos suspeitos interligado aos serviços de segurança e permitindo agir assim de forma preventiva.

Regrar o desenvolvimento urbano é fundamental, e para isso nossos legisladores precisam incorporar o conceito de compartilhamento das novas tecnologias e da integração informacional entre público e privado, um desafio regulatório, comercial e institucional, pois a tecnologia já está disponível.

Como destaca Stuart Russel no livro “Inteligência Artificial a nosso favor”, o conceito de casa inteligente vem sendo investigado há décadas. Em 1966, James Sutherland, engenheiro da Westinghouse, começou a juntar peças excedentes de computador para construir Echo, o primeiro controlador de casas inteligentes. Infelizmente, Echo pesava 360 quilos, consumia 3,5 quilowatts e gerenciava apenas três relógios digitais e a antena de tv. O que o tempo e o desenvolvimento foi tornando a incorporação dessas novas tecnologias mais acessíveis.

E logo a partir dos anos 1990, vários projetos ambiciosos tentaram projetar casas capazes de gerenciar a si mesmas com a mínima intervenção humana, usando aprendizado de máquina para se adaptarem ao estilo de vida dos ocupantes. Para que esses experimentos fizessem algum sentido, pessoas reais tinham que morar nas casas. Infelizmente, a frequência de decisões incorretas tornou os sistemas mais do que apenas inúteis, a qualidade de vida dos ocupantes piorou, em vez de melhorar. Por exemplo, moradores do projeto MavHome,16 de 2003, na Universidade Estadual de Washington, tinham que ficar sentados no escuro, se as visitas passassem da hora costumeira de dormir. Como no caso do assistente pessoal não inteligente, esses fracassos resultam de acesso sensorial inadequado às atividades dos ocupantes e da incapacidade de compreender e acompanhar o que acontece na casa. Como destaca o autor já citado, o valor da casa inteligente é limitado, por causa dos atuadores: sistemas bem mais simples (termostatos programados e luzes sensíveis a movimento e alarmes contra arrombadores) podem fornecer boa parte da mesma funcionalidade de maneiras talvez mais previsíveis, embora menos sensíveis a contexto. Logo surgem em nossas casas os assistentes pessoais.

Se no primeiro momento poderíamos concluir com o pouco valor agregado desses assistentes, essa realidade vem mudando.

No início o eram alto-falantes que obedeciam as ordens de compra entreouvidas na televisão, ou o chatbox de celular que responde a “Me chame uma ambulância” com “O.k., de agora em diante vou chamá-lo ‘Uma Ambulância’”. Esses sistemas são interfaces mediadas por voz para aplicativos e mecanismos de busca.

Claro que com tantos registros logo acende a luz amarela da nossa privacidade, pois onde se armazena tanta informação, das nossas salas, cozinhas e quartos, que tudo registram desde uma nova receita aos suspiros mais íntimos do casas?

São muitas as camadas de privacidade registradas e de respectivos cuidados a esses registros, desde a armazenagem ao tratamento desses dados nas duas interfaces de integração. Logo nos questionamos se um assistente pessoal pode de fato ser útil se não souber nada a seu respeito? Provavelmente não. Em segundo, os assistentes pessoais têm como ser de fato úteis se não puderem combinar informações de múltiplos usuários para aprender mais a respeito das pessoas em geral e de pessoas parecidas com você? Provavelmente não. Nesse caso, isso não pressupõe que teremos de abrir mão da nossa privacidade para nos beneficiarmos da ia em nossa vida diária? Não. A razão é que algoritmos de aprendizado podem operar com dados criptografados usando as técnicas de computação segura multiparte, de maneira que os usuários podem tirar proveito das informações combinadas sem necessidade de abrir mão da privacidade. Os provedores de software adotarão voluntariamente a tecnologia de preservação da privacidade, sem estímulo legislativo? Só vendo. O que parece inevitável, porém, é que os usuários só confiarão num assistente pessoal se seu compromisso primordial for com o usuário e não com a corporação que o produziu.

Toda essa tecnologia, em nossas casas e a sua integração dependerão sim, das funcionalidades e bancos de dados integrados e principalmente do cuidado que essas indústria e prestadores de serviços terão com tantos dados nossos.

Uma realidade que vai além de nossas casas, que supera os desafios tecnológicos e vai ao encontro de uma sociedade de vigilância permanente que transforma nossos dados em produtos e a nossa atenção em sua principal moeda.

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