CARROS VOADORES E A NOSSA FUGA DE CÉREBROS

Na mesma semana em que a Embraer anunciava já ter 200 encomendas dos seus carros voadores os meios noticiosos anunciavam o registro durante a pandemia de uma acentuada fuga de cérebros de algumas áreas no Brasil.

Existem duas grandes referências científicas brasileiras, respeitadas no mundo, não sem razão ambas nasceram de um grande investimento público, Embrapa e Embraer. A primeira certamente é a base de todo desenvolvimento do agronegócio brasileiro que serve de referência de produtividade para o mundo, e permitiu em décadas que avanços que fazem do Brasil o maior player em 5 das maiores culturas e estar entre os cinco maiores produtores do mundo em 30 das principais culturas da cadeia alimentar.

Já a Embraer graças a política de investimento público, tanto em suas plantas industriais como na base educacional na formação de referências técnicas como o ITA e o Curso de Engenharia mec6anica da UFSC isso para ficarmos apenas em duas instituições formadoras de mão de obra qualificada.

O resultado dessa escolha estratégica de décadas literalmente é colhido nos campos e visto aos olhos nus em aeroportos e céus do mundo inteiro.

Só para ficarmos no detalhamento de um exemplo nessa escolha de viés pelo ensino, ciência e tecnologia e na verticalidade dessa cadeia, o veículo elétrico de pouso e decolagem vertical(evtol) da Embraer, previsto apenas para 2026, já possui cerca de 200 unidades encomendadas.

Mesmo antes de ter seu projeto de “carro voador” completamente desenvolvido, apenas o anúncio fez as ações da fabricante brasileira de aeronaves, que ainda passa por um momento delicado, subirem 4,8% na B3, a Bolsa paulista, no dia da notícia, na B3.

A encomenda, cujas ocorrerão apenas a partir de 2026, faz parte de uma parceria da Embraer com a Halo, empresa que fornece serviços de helicópteros e mobilidade aérea urbana privada nos Estados Unidos e no Reino Unido. Do lado da Embraer, o negócio foi fechado pela Eve (braço da companhia brasileira criado para desenvolver o “carro voador”), de acordo com reportagem no Estadão, o acordo prevê também o desenvolvimento conjunto de um sistema de gestão de tráfego aéreo urbano e de operação de frotas. A ideia é que a parceria aumente a acessibilidade dos evtols, dado que as empresas poderão escalar as operações do veículo.

Uma parceria que deve levar a Eve a assumir a posição de líder global na indústria de mobilidade aérea urbana.

Histórico de aprovação e de entrega da Embraer, faz toda diferença quando o assunto é credibilidade, afinal a empresa brasileira é a terceira maior fabricante do mundo, em paralelo a Embraer ainda trabalha no desenvolvimento de seu evtol em uma parceria com o aplicativo de transporte Uber, que pretende realizar voos os primeiros comerciais a partir de 2023, prazo que para muitos é considerado apertado.

Para se ter uma ideia da importância desse mercado, nesse momento existem cerca de 140 projetos de evtol no mundo, e a sua importância nas soluções de mobilidade, é de que esse veículo conseguiria realizar viagens por um custo menor do que de um helicóptero.

A mudança tecnológica mais significativa é que o evtol não precisará de pilotos e será elétrico, logo será silencioso e não poluente.

Boas notícias como essa fazem com que o papel da Embraer suba de junho de 2020 até o dia 18 de junho desse ano cerca de 144% uma senhora recuperação em meio ao cenário de pandemia, e com a perspectiva de redução do número de voos mesmo depois da pandemia.

Com um investimento de cerca de US$ 300 milhões, os especialistas acham que o veículo entre em testes já em 2024 e em operação em 2025 ao custo de US$600 mil, bem menos que alguns helicópteros.

Ë claro que tem muitos desafios pela frente, entre eles os regulatórios, pois se trata de aeronaves autônomas voando sobre as nossas cabeças, atravessando áreas urbanas, além disso tem um desafio de infra estrutura, pois é necessários os vertiports (os locais de pouso de decolagem do veículo), que não podem ser em um prédio qualquer, devido as características desses equipamentos, logo os shopping centers, surgem como candidatos naturais pois é preciso uma estrutura de carregamento das baterias entre uma decolagem e outra, além das questões econômico e culturais.

São boas notícias para o Brasil, em meio a pandemia e depois do derretimento da combinação bilionária de negócios que havia firmado com a americana Boeing, após um longo período de negociações e aprovações regulatórias em todo o mundo, e que resultou de uma demanda judicial.

O que fica evidente é que o mercado de capitais sempre olha com bons olhos quando uma empresa assume como referência em uma solução disruptiva, ou seja, em tempo de negacionistas a ciência é quem agrega valor ao seu negócio, que o diga Elon Musk com sua Tesla e suas viagens a marte.

Ao mesmo tempo, fruto de um desenvolvimento estatal na ciência e as milhares de bolsas de estudo cortadas, assistimos a fuga de cérebros do Brasil , um fenômeno conhecido como “brain drain”.

Acelerado pela valorização cambial, que derrete o valor da moeda brasileira, resultante da nossa falta de credibilidade, jovens qualificados dedicados a ciências como engenharia, física, medicina, encontram nas áreas de embarque internacional dos aeroportos brasileiros, o melhor lugar do Brasil, ou vamos imaginar que a ciência tem espaço entre negacionistas?

Países como Canadá, são um destino dos mais disputados, pois o governo para enfrentar problemas de envelhecimento e baixas taxas de fertilidade da população, estabeleceu há dois anos a meta de receber mais de 1 milhão de imigrantes qualificados até 2021, chegando a promover, em várias cidades brasileiras, palestras sobre oportunidades profissionais.

Curiosamente, os jovens brasileiros atraídos por programas como esse são altamente qualificados, graças ao questionado ensino público brasileiro, que historicamente forma nossa mão de obra mais qualificada, logo os recursos públicos brasileiros são utilizados para qualificar uma mão de obra que depois de formada procura outras praças mais atrativas pelo mundo.

Para efeitos comparativos, no caso do pessoal formado em ciências exatas, biotecnologia e medicina, por exemplo, enquanto países como Japão, Coreia do Sul, Israel e Estados Unidos têm mais de 60% do total de seus pesquisadores nessas áreas trabalhando em empresas, no Brasil esse porcentual é de somente 18%, sendo claro que falta estímulo a pesquisa nas nossas empresas de forma mais efetiva.

Nossos instrumento de incentivo a inovação pelas empresas brasileiras é falho em abraçar essa mão de obra, e logo o aeroporto parece o destino.

Segundo dados da Receita Federal, o número de brasileiros que apresentaram declaração de saída definitiva do País passou de 8.170, em 2011, para 23.271, em 2018 – um aumento de 184%. E, segundo o relatório fiscal dos Estados Unidos, em 2020 aquele país registrou uma elevação de 36% nos vistos de permanência concedidos a brasileiros numa categoria específica, a dos chamados “profissionais excepcionais”. Ao todo, foram concedidos 1.899 vistos, o maior número em uma década. Já com relação à emissão dos demais vistos a concessão feita pelo governo americano teve uma queda de 48% no período, segundo reportagem do Estadão.

Todo esse êxodo em um momento em que para recuperação econômica pós pandemia seria fundamental, perdemos profissionais nas áreas de ciências exatas e biomédicas.

Sem levar em conta as consequências perversas dessa postura irracional, em abril o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) cortou 87% das bolsas de doutorado e pós-doutorado já aprovadas em 2021, dessa forma o Brasil, que hoje tem 7,6 doutores por 100 mil habitantes, vai se distanciando de Portugal, com 39,7; Alemanha, com 34,4; e Reino Unido, com 41.

Continuaremos dependendo das comodities, que cada vez empregam menos, e distribuem menos renda.

A política de não reter cérebros, apresenta rapidamente seus resultados, segundo um estudo da CNI, publicado nessa semana a indústria de transformação brasileira passa por uma desidratação cada vez mais acentuada que atinge, principalmente, o grupo de bens de consumo duráveis e bens de capital. Em uma década, a participação das empresas de produtos de alta e média tecnologia, como itens de informática e veículos, recuou de 23,8% para 18,7% no setor industrial. Justamente o segmento que mais investe em pesquisa e desenvolvimento, e que gera os empregos qualificados, com valor agregado e que distribui renda.

Os setores que empregam trabalhadores de menor renda, e que são menos complexos e menos intensivos em inovações, fabricantes de bens tradicionais, como alimentos e bebidas, ampliaram sua fatia de 25,6% para 35%, ou seja aqueles que empregam a mão de obra de qualificação mais baixa e de menores salários .A pesquisa indicou também que bens intermediários, como madeira, celulose e papel, também perderam participação, de 49,3% para 44,4%, os números dão a dimensão de uma indústria brasileira que anda pra trás na agregação de valor.

O mesmo estudo indica que, apesar de elevado em relação a vários outros países, o grau de diversificação da indústria brasileira vem diminuindo e se concentrando no setor de bens não duráveis e semiduráveis. O trabalho da CNI avaliou o período 2008 a 2018, com base na mais recente Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE, aquele mesmo que teve o censo cortado.

A indústria brasileira perde cérebros e caminha a passos largos para primarização, empregando apenas trabalhadores de baixa renda, seguimos assim abraçados as comodities.

Para registro na última década, o setor agropecuário cresceu, em média, 3,5% ao ano. A economia como um todo cresceu de 0,1% a 0,3%, em média, porque a indústria de transformação caiu 1,6% ao ano no período, o que só prova que o agronegócio, sozinho, não consegue estimular a economia.

Perdemos médicos, engenheiros, programadores que com o cambio favorável podem trabalhar em qualquer lugar do mundo, estamos vendo o que já vinha ocorrendo no futebol agora em diversos campos profissionais, só não sai quem não tem mercado fora, uma lástima.

Ficamos aqui com a mão de obra menos qualificada ou com os que se limitam a cuidar da nossa eterna burocracia.

Triste pois condenar a ciência e o ensino, é perpetuar o Brasil a pobreza.

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