CARRO ELÉTRICO, REGULAÇÃO E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Tecnologia avançada sempre chega primeiro para os que podem pagar por ela e suas comodidades, mas logo com o tempo e a economia de escala ela se populariza, a indústria automobilista é cheia desses exemplos, foi assim com o airbags, com as luzes obrigatórias de freio, com os freios abs entre tantos outros itens.

Nesse momento a evolução da condução autônoma, e a conversão da frota de combustão para elétrica parece percorrer o mesmo caminho, é claro que além do interesse do mercado, existe ainda o impulsionamento estatal que tenta minimizar a dependência dos hidrocarbonetos.

Dentro dessa tendência no novo BMW Série 7, o motorista pode manter as mãos fora do volante em estrada por tempo indeterminado. É um avanço, em relação aos sistemas atuais, nos quais o condutor só pode soltar o volante por alguns segundos. O “pode”, no caso, é uma concessão da tecnologia, não da legislação.

Lembramos que por razões de segurança, cada país define o que um carro pode ou não fazer, e logo existe um debate entre as novas tecnologias, a indústria, os consumidores e o poder regulatório do Estado, onde tudo avança apenas por pressão desses segmentos, quando ela não caminha na direção, pouco se avança.

O Série 7 irá permitir as mãos fora da direção apenas em estradas dos EUA, em velocidade de até 130 km/h. Da mesma forma, na Alemanha, o modelo oferecerá tecnologia capaz de frear, automaticamente, em um semáforo vermelho.

A tecnologia permite que os carros realizem muitas tarefas de forma autônoma, mas ainda falta combinar com a legislação dos países. Quando a Audi lançou a linha 2019 do sedã A8 (no final de 2017), o modelo foi anunciado como o primeiro autônomo de nível 3. Mas ele não foi autorizado a exibir todas as suas habilidades, por causa das leis, como destaca uma recente reportagem do Jornal Estadão.

Carros autônomos de nível 3 freiam, aceleram e se mantêm na faixa de rodagem sem intervenções do motorista. Mas, nesse nível, ainda é obrigatória a presença do condutor atrás do volante.

Em termos de segurança, o controle de cruzeiro adaptativo evoluiu. No BMW Série 7, ele não apenas segue o ritmo do carro da frente, reduzindo e elevando a velocidade automaticamente, mas também leva em conta placas de sinalização de velocidade e informações do GPS. Com base nisso, ele pode diminuir o ritmo para respeitar os limites da via ou ao se aproximar de rotatórias, cruzamentos e curvas, por exemplo. O sistema também reconhece placas de contramão.

Alguns desses veículos funcionam de forma integrada as sinaleiras, o que diminui o tempo de parada ou mesmo a necessidade de se parar no meio da madrugada nos nossos perigosos semáforos.

A política de energia do mundo, acelera as mudanças e os avanços vão ganhando as nossas garagens, ao mesmo tempo essa transição acentua uma velha briga entre os que defendem a sustentabilidade e outros que defendem a competividade do preço da energia.

Guerras acentuam o risco da monocultura energética e a Europa paga o preço da dependência do gás da Rússia. No caso Alemão como parte essencial da Ostpolitik lançada em 1969 por Willy Brandt, sucessivos governos alemães, liderados tanto por chanceleres social-democratas (Schröder) quanto por democratas cristãos (Merkel) abraçaram a tese de que a melhor maneira de promover a mudança para a democracia na União Soviética, primeiro, e a Rússia, mais tarde, foi fortalecer os laços comerciais, seguindo o lema Wandel durch Handel (“mudança através do comércio”), uma estratégia que provavelmente favoreceu a queda do Muro de Berlim em 1990.

Como continuação dessa política, na década de 90 um novo gasoduto, o Nord Stream, foi concebido para conectar diretamente a Rússia com a Alemanha através do Báltico, que começou a operar em 2011. Mais tarde, uma nova conexão adicional, Nord Stream 2, foi construída, praticamente concluída antes da invasão da Ucrânia.

Críticos do Nord Stream 2 apontaram que isso aumentaria a dependência da Alemanha do gás natural russo e, assim, condicionaria a política externa da União Europeia. Os defensores do novo gasoduto apontaram, no entanto, que a dependência que criaria seria recíproca, uma vez que a Gazprom precisaria dos lucros da venda de gás tanto quanto os compradores alemães precisariam do fornecimento. E acrescentaram que por trás da oposição dos Estados Unidos ao novo gasoduto estavam escondendo interesses comerciais, uma vez que a “revolução do xisto” e a transformação em usinas de liquefação de instalações originalmente criadas na costa norte-americana do Golfo do México para regasificar o gás natural liquefeito importado (GNL) transformaram os Estados Unidos em um exportador de GNL que competiu na Europa com o gás natural russo, Mais barato.

O fechamento de usinas nucleares que o governo de Merkel pressionou após o acidente de Fukushima em março de 2011 só agravou a dependência do gás russo. Infelizmente, como vimos após a violenta invasão da Ucrânia, aqueles que alertavam sobre o perigo geopolítico da dependência energética da União Europeia estavam certos.

A duvida que muitos levantam é que a descarbonização da Europa, estaria levando empregos e emissões de dióxido de carbono para outras partes do mundo. O aço e o cimento chineses juntos emitem mais dióxido de carbono do que toda a economia europeia.

A China, sem as restrições ambientais aplicáveis em outras partes do mundo, tornou-se nos últimos anos um grande exportador líquido. Como a grande maioria dos compradores de aço compra apenas com base no preço e não leva em conta quanto CO2 foi emitido pela empresa que o fabricou e o que o transportou, teme-se que a substituição do aço europeu por aço chinês importado mais barato aumentará as emissões totais de CO2. não só por causa da maior emissão durante o processo de fabricação do aço chinês, mas também por causa daqueles derivados do transporte de navios para a Europa, que representam a ordem de 20% a mais”.

Não a toa, os responsáveis pela política energética e ambiental europeia, defendem a criação de um mecanismo de ajuste de fronteiras de carbono (CBAM) que inicialmente se aplicará às importações de determinados produtos (aço, cimento, fertilizantes e alumínio) de empresas estrangeiras que não arcam com custos para suas emissões de dióxido de carbono semelhantes às da Europa. Seu objetivo é justamente evitar que o paradoxal” desvio do comércio de carbono ” (vazamento de carbono mal nomeado, uma vez que aqueles que vazam são as instalações fabris, não o carbono).

De fato sem um ajuste mundial de sustentabilidade e o fechamento das portas comerciais para países que não os respeitem precisa dar o tom da transição energética, quando os fatores climáticos dessa não mudança já são mais do que conhecidos.

Os números da transição energética da frota de automóveis, já são bastante animadores, e isso indica um norte para onde vamos. Uma recente análise da Consultoria Jato sobre emissões de dióxido de carbono na União Europeia no último ano de 2021 mostrou que o forte aumento nas vendas de veículos elétricos em diversos países do continente causou uma redução significativa de 16% nas emissões de veículos novos, imaginem se a Europa inteira tivesse carros flex e o álcool tivesse preços competitivos? Esse redução apontada pelo relatório foi de 117,7 g/km para 99 g/km.

O caminho de renovação e descarbonização da frota de automóveis é uma das alavancas mais importantes que temos para a redução de emissões. A indústria automotiva e o transporte em geral são um dos mais significativos produtores de emissões após a produção de energia e a indústria, o que significa que, de uma forma ou de outra, devemos necessariamente agir, pois a ação sobre nossas emissões é essencial para tentar evitar efeitos que, em muitos casos, serão verdadeiramente catastróficos e possivelmente resultarão em centenas ou milhares de mortes e em crises humanitárias reais.

Lembro que na Europa já existe a norma Euro 7, que obrigará a instalação em veículos poluentes de dispositivos que limitam sua velocidade para evitar elevados níveis de emissões, o que deve criar um mercado ainda menos e menos interessantes para esses carros.

A produção normativa no combate aos carros mais poluentes deve ser ampliada, com medida que devem estabelecer zonas de emissão zero nas cidades e reduzir os limites de poluição que marcam restrições à sua circulação e estacionamento, de modo que a posse de um veículo poluente se torne um desconforto periódico e uma fonte de problemas para seus proprietários, além de retomar a vistoria técnica de ceículos e as suas respectivas emissões de poluentes.

Atuar em veículos novos tem, como vimos, um impacto claro, mas é muito mais lento e mais limitado do que o que teria que remover de circulação imediatamente todos os veículos com níveis de emissão considerados inaceitáveis.

Por outro lado, a evolução tecnológica e a inovação em veículos elétricos é extremamente rápida, o que leva seus proprietários, em muitos casos, a querer unir o que eles percebem como uma nova geração de produtos, esses veículos estão provando, em muitos casos, como um grande negócio para seus proprietários: seu menor desgaste derivado de sua simplicidade mecânica e seu baixo custo total de propriedade significa que, sua depreciação é bem menos do que um veículo movido a combustão.

Se somarmos a esta análise o custo muito menor das recargas elétricas em relação ao combustível e ao baixo custo de manutenção, a matemática tende a estimular a troca.

A mudança do modal vem carregada de uma total transformação regulatória, que incentive com a certeza de redesenhar a economia desse setor.

Nesse momento a montadora mais valiosa do mundo a Tesla, não está nem mesmo entre as 20 maiores fábricas de automóveis, mas ao contrário das demais só produz carros elétricos, só isso já seria assunto suficiente para a seguinte pergunta: Qual a razão do Brasil não ter uma só fábrica de veículos elétricos, nem planos e nem incentivos?

Se o valor da Tesla, não foi o suficiente, tente imaginar qual o tamanho do investimento em infraestrutura de recarga nos milhares de postos de combustíveis? Tente imaginar o investimento na criação de células de energia solar e eólicas nos shoppings, supermercados e estacionamentos? Qual o tamanho desse mercado e quantos empregos ele deve gerar em um país com as nossas dimensões? Tente imaginar o que vem junto nas recargas de caminhões, ônibus, motos, bikes, patinetes e tantos outros veículos tudo sendo eletrificado, ou sendo híbrido plug in? Centenas de bilhões, em equipamentos para esses veículos, uma indústria sendo reinventada para partes e peças e toda uma estrutura de abastecimento, manutenção sendo redesenhada.

Junto com a transformação da indústria automobilística, vem a necessidade de ampliação da geração de energia, e mais do que isso uma alteração para uma matriz sustentável, tudo em menos de três décadas. Cursos de aperfeiçoamento e formação de mão de obra qualificada, milhões de novos empregos, seja na atualização ou na formação desses novos postos de trabalho e as suas requalificações.

Se você é daqueles que declara que jamais vai comprar um carro elétrico por conta da sua autonomia, gostaria de lembrar que a maior parte dos carros no Brasil anda menos de 60 kms por dia e que em média atualmente a autonomia desses elétricos é de cerca de 300kms, lembrando que boa parte deles pode ser recarregada em cerca de 80% em apenas 30 minutos, exatamente o tempo que você leva em uma viagem entre São Paulo e Florianópolis e que faz ao menos uma parada para abastecer, tomar café e ir ao banheiro, ou seja a falta de postos nesse momento é pura balela, pois em 99% de todos os seus deslocamentos você não terá problema, claro que se você pretende comprar pra morar na floresta amazônica, eu recomendo que não escolha um carro elétrico, e em boa parte dela nem mesmo um carro, mas um barco.

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 18 de Maio de 2022).

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