Em 1979, antes da Internet, antes da Netflix e de tantos outras empresas, produtos e serviços que fazem parte das nossas rotinas, estreava nos cinemas brasileiros, o filme “Bye, Bye Brasil”, dirigido por Caca Diegues uma das mais importantes produções cinematográficas da década de 70.
No filme que tinha no seu elenco José Wilker como Lorde Cigano, Bety Faria como Salomé, e Fábio Júnior como Ciço entre outros fantásticos atores, a “Caravana Rolidei” e seus artistas mambembes percorrer a Amazonia brasileira se exibindo em cidades pequenas, fazendo espetáculos de humor e magia para os setores mais humildes da população brasileira, nas cidades onde a televisão ainda não havia chegado.
O filme de quatro décadas atras, retratava um Brasil gigante, pobre, desigual de gente humilde trabalhadora e cheia de esperanças. Nada diferente do que continuamos tendo hoje.
De lá pra cá o PIB brasileiro cresceu e as indiferenças e desigualdades permanecem, e onde anda a esperança nesse universo de novas tecnologias disponíveis e acessíveis para tantos?
O sonho de uma vida melhor tem levado cada vez mais brasileiro a área de embarque internacional dos nossos aeroportos, é a morte da esperança, da fé e da crença em nosso país, gigante em sua desigualdade e no mar de privilégios e benefícios para poucos e bem representados no executivo, no legislativo e no judiciário.
Nesse novo embalo, catalisado pela crise econômica, a violência urbana e a falta de perspectivas de trabalhos com salários dignos, milhões de brasileiros seguem rumo ao exterior.
Nesse momento, não são apenas trabalhadores menos qualificados ou cérebros em empregos de ponta, mas pessoas de classe média, escolarizadas, que cruzam as fronteiras em busca de oportunidades.
Entre 2018 e 2020, o número de brasileiros no exterior subiu de 3,6 milhões para 4,2 milhões. Em uma década, a alta foi de 36%.
O Ministério das Relações Exteriores aponta uma alta de 16% no total de brasileiros no exterior entre 2018 e 2020: são 4,2 milhões.
Nesse momento, são brasileiros de classe média, escolarizados, que cruzam a fronteira em busca de novas chances.
Só para termos uma referência, um levantamento do Colégio Notarial do Brasil (CNB), que reúne os cartórios, indica alta de 67% nos apostilamentos no 2º semestre deste ano. Esse é o serviço de validação internacional de documentos pessoais, escolares e de dupla cidadania requeridos por quem vai morar fora. De junho a novembro, foram cerca de 912 mil apostilamentos, ante 544 mil no mesmo período de 2020.
Se analisar apenas as solicitações de visto para estudos ou abertura de processos de dupla cidadania, o salto é ainda maior: de 299,5 mil no 2º semestre do ano passado para 693 mil no mesmo período deste ano.
Um Brasil, que passa ano e entra ano e que não se cansa de ser desigual, desumano e rico em benefícios para poucos, onde categorias favorecidas parecem criar como na Índia novas castas.
Esses números registram os que partiram, mas um recente levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelou que 47% dos brasileiros de 15 a 29 anos gostariam de deixar o País, se tivessem a chance.
De 2005 a 2010, o desejo era compartilhado por 26,7% dos jovens. Já entre 2011 e 2014, só 20,1% relatavam a vontade, são índices muito baixos comparados com o atual momento, o que só demostra a falta de perspectiva vista por nossos jovens no atual governo, em que pese as leituras distintas dos que vivem nas bolhas do grupos e redes da internet.
A pobreza e falta de perspectivas são o maior fermento nessa vontade de fazer as malas e ir para o aeroporto, vejamos o número de moradores de rua na cidade de São Paulo, onde em 2015, a cidade tinha 16 mil pessoas vivendo nas ruas, e em 2019, o número subiu para 24.344.
Essa é apenas uma fotografia, de uma sociedade que evolui com tecnologias de última geração, e parece ser incapaz de resolver problemas tão simples, aumentamos o número de alimentos produzidos e nada disso nos permite alimentar a fome de quem tem fome, pois para esses a lógica parece ser outra, indiferente e cruel.
A desigualdade permanece e se amplia, nos meios e no acesso instrumental para mudança de paradigma.
Vejamos pela educação, em uma pesquisa divulgada em de 2020, pelo Instituto DataSenado mostrou que a diferença entre a educação na rede pública e na privada também se revela no acesso dos alunos ao ambiente digital. Dos lares brasileiros cujos estudantes estão tendo aulas remotas na rede pública, 26% não possuem internet. Quando a pesquisa olha para os colégios particulares, o total de alunos sem conexão online cai para 4%.
Os números falam por si, pois em julho de 2020, essa migração provocou um aumento de 73% só na rede municipal de educação infantil de São Paulo. Onde o levantamento da OCDE também mostrou que o número de dias de escolas fechadas prejudicou mais os estudantes brasileiros do que os alunos dos demais países. No final de junho as escolas brasileiras estavam há 16 semanas sem aulas presenciais, cerca de 2 semanas a mais do que a média das escolas dos países avaliados. No início de setembro, só oito dos países avaliados ainda permaneciam com as aulas suspensas, entre eles, o Brasil.
A nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece jornada diária de quatro horas. Mas durante a pandemia a jornada ficou em cerca de 2,3 horas. Dos 30 milhões de estudantes entre 6 e 15 anos, a FGV Social calcula que cerca de 4 milhões (13,5%) não receberam qualquer atividade para ensino remoto. Entre os adolescentes de 16 e 17 anos, foram 17,6%. Esse apagão está massivamente concentrado nas classes baixas e nos Estados mais pobres.
Como destacamos, a falta de oferta se dá pela falta de conectividade, de dispositivos digitais e de envio de material por parte da rede de ensino. Segundo o Ipea, 16% dos alunos do Ensino Fundamental (cerca de 4,35 milhões) e 10% dos alunos do Ensino Médio (780 mil) não têm acesso à internet. Paralelamente a esses dados da rede pública, os números das redes privadas e da classe A, são bem diferentes, pois lá cerca de 100% dos estudantes possuem acesso, já nas classes D e E são apenas 40%, e depois tem deslumbrado que ainda vai falar em meritocracia. “Acorda Alice”.
E qual o papel da tecnologia? Parece claro que a tecnologia é um ambiente que dota as empresas com uma capacidade desesperada de exercer o poder monopólio em muito menos tempo do que antes, e isso exige que os governos tenham muito mais pressa em sua regulação.
Compreender esse futuro é requisito para pequenas intervenções no desenho dele, pois ele é para poucos, é desigual e exige ajustes para que não sejamos atropelados.
O efeito dessa nova economia, está bem destacado na obra, “O capital no século XXI”, do economista francês Thomas Piketty que analisou a crescente disparidade de posses entre uma minoria de muito ricos e o resto do mundo. Nos Estados Unidos, em 2014, o 0,01% mais rico, que consiste em apenas 16 mil famílias, controlava 11,2% de toda riqueza, o que pode ser comparado a 1916, época da maior desigualdade mundial. Hoje o mesmo 0,1% detêm cerca de 22% da riqueza total, o mesmo que 90% de toda população na base da pirâmide, sendo que igual distorção não é muito diferente na Europa.
O progresso implacável da automação, de caixas de supermercado a algoritmos de transação financeira, de robôs em fábricas a carros com direção automática, cada vez mais ameaça a empregabilidade humana no panorama geral. Não existe rede de segurança para aqueles cujas habilidades são obsoletadas pelas máquinas, e nem aqueles que programam as máquinas estão imunes.
A deterioração nos padrões de qualidade de vida, está dando o tom dos próximos passos, não apenas pela nossa fuga de cérebros já destacada em outros artigos, mas na certeza de um futuro a cada dia mais difícil, onde nossos governantes de plantão estão mais interessados na manutenção do seu poder e na proteção do seu clã do que na efetiva e necessária distribuição de renda. Tecnologia e regramento jurídico para tanto já existem, mas falta vontade política e norte no comando.