BOLHAS E EMPRESAS DE TECNOLOGIA

Diariamente encontramos publicações que questionam se os ativos digitais não estariam com preços superavaliados, e logo, diante de uma bolha?

Evidentemente que bolhas não são eventos raros na economia global, pois desde a primeira bolha global que se tem notícia, a das tulipas na Holanda do século XVII, por diversas vezes na história o mesmo fenômeno já se repetiu, mudando apenas o conteúdo da bolha.

E como destaca Guilherme Felitti, em podcast sobre o tema, “o produto ou serviço no centro da bolha varia, mas vários aspectos semelhantes, como a irracionalidade desengatilhada pela crença de que algo grande vai acontecer, a corrida para comprar e depois se livrar e, principalmente, as consequências nefastas, são, mais ou menos, as mesmas. Alguns dos fenômenos econômicos de maior impacto das últimas décadas no mundo foram bolhas. E não basta falar que você não entra nessas modas, bolhas acabam arrastando a todos, com maior ou menor ferocidade. O escândalo do subprime nos Estados Unidos em 2008, por exemplo, arrastou não apenas os investidores norte-americanos, muito dinheiro estrangeiro investido no Brasil acabou retirado para cobrir rombos nos EUA e na Europa, o que impactou diretamente a nossa economia.”

Recentemente a Verizon fez o descruzamento dos restos mortais da internet dos anos 90, a AOL e Yahoo!, que foi adquirida na época já a um preço distante do que já foi e também do que poderia gerar de novas receitas quando da sua aquisição, mesmo que fosse potencializada com a ideia de se tornar um conglomerado de mídia dedicado à exploração da publicidade.

Depois de vender essas participações por menos da metade do que pagou por elas (US$ 4.4 bi para a AOL em 2015 e US$ 4.5bi pelo Yahoo! em 2017), a Verizon está anunciando que se concentrará no que as empresas de telecomunicações devem fazer, com foco na construção de sua rede 5G.

Os cinco bilhões que a Verizon receberá da Apollo Global Management pelo que resta dessas empresas acabarão com a pretensão de construir uma empresa de mídia que competiria com o Google ou o Facebook por publicidade. Agora, seus novos proprietários tentarão valorizar as duas marcas, sob o guarda-chuva yahoo! e com cabeçalhos como Engadget ou TechCrunch, que ainda geram alguma tração publicitária.

Já anteriormente, a Verizon havia se afastado de empresas como a Tumblr, que vendeu a Automattic e o HuffPost, que vendeu ao BuzzFeed.

Bem em seu melhor período a AOL era avaliada pelo mercado em US$ 200 bi, que se for corrigido para os tempos atuais poderia dar a dimensão do derretimento desse que já foi o maior negócio da internet, o mesmo pode se dizer do Yahoo! Que também em seu melhor momento chegou a valer US$ 125 bi. Logo tente imaginar empresas que juntas foram vendidas por menos da centésima parte do que já valeram. O que nos leva a uma questão fundamental?

Como o mercado pode avaliar as empresas da economia digital?

Como o valor das propriedades na rede pode cair tão baixo, quando já na época eram avaliadas pelo seu futuro e não por sua geração de caixa? Quem errou? Nada do que essas empresas falavam deixou de acontecer, afinal ela eram avaliadas pela dimensão que a internet ia tomar, e ela tomou e mesmo assim o valor dessas empresas derreteu?

Nos anos 90, a Aol era sinônimo de internet para milhões de americanos. Seus discos de instalação gratuitos estavam por toda parte. Do Yahoo!, poucas coisas novas podem ser ditas: foi a página inicial de milhões de pessoas ao redor do mundo por muito tempo, a personificação da filosofia do portal, da página que tentou cobrir todas as necessidades do usuário, de notícias a e-mail, através de jogos, contatos, tempo, etc., e todos temperados com os anúncios correspondentes.

Nenhuma dessas duas empresas, símbolos de uma era inteira, tentou se livrar dessa filosofia: o conteúdo era um simples suporte à publicidade, uma maneira de fazer com que os usuários passassem mais tempo lá e vissem mais anúncios. Como bem destaca Enrique Dans, “em ambos os casos, eles tiveram uma agonia muito longa, durante a qual adquiriram outras empresas em muitos casos prósperas e interessantes, empresas que em muitos casos seus usuários valorizavam e os infectavam com seu espírito decadente, até se tornarem zumbis reais sem valor: Flickr, De.icio.us, Tumblr e outros. Agora, mais de duas décadas depois, esses dois gigantes da internet dos anos 90 são pagos por uma pequena parte do que eles vieram a valer, refletindo um site no qual apenas alguns usuários completamente marginais ainda estão procurando propostas desse tipo. Seus novos proprietários tentarão rentabilizar sua aquisição com foco no e-commerce, conteúdo e, claro, apostas.”

Quais serão então os próximos moribundos nesse desafiante e alucinado universo digital?

Lembramos que toda bolha tem sempre duas ações: o inflar e o estourar, o subir e o descer, o crescer e o cair. As primeiras empresas de internet da história só valeram muito dinheiro durante um curto período de tempo, ali no começo dos anos 2000, por razões que nada têm a ver com tecnologia. A partir do IPO do Netscape, tudo parecia apontar para o futuro. Mergulhado em dinheiro, o mercado apostou na digitalização total das nossas vidas em uma janela de cinco anos. Era a Cisco, uma empresa de San Francisco (por isso o nome) que fazia hardware de conectividade para grandes operadoras. Em 27 de março de 2000, a Cisco se tornou a companhia mais valiosa do mundo com um valor de mercado de US$ 569 bilhões. Atualizado para inflação, daria US$ 868,8 bilhões. As valuations atuais são bem maiores a Apple vale US$ 2 trilhões. Ainda assim, para 2000 era muito dinheiro, logo como também destaca Guilherme, estaríamos diante de uma nova bolha?

Voltando a Netscape, com uma liderança consolidada, e com um cofre tão cheio, o mundo corporativo, vivendo a época das granes fusões a liderança era tão folgada, o cofre estava tão recheado e o futuro parecia tão brilhante que os executivos resolveram, simplesmente, comprar a Time Warner, na época o maior conglomerado de mídia do mundo. No dia do anúncio da fusão, a nova empresa valia quase US$ 250 bilhões. Sem qualquer sinergia (esse termo que o mercado adora), a fusão se tornou uma das piores da história. Dois anos depois, o valor de mercado de ambas já tinha caído pela metade. Claro, a história tem incompetência em volumes atacadistas, mas há um inegável timing errado que também ajuda a explicar. Dois meses depois da fusão, a bolha estourou.

Bolhas tem velocidades distintas e sempre mais de uma causa para desinflar, mas uma causa sempre a companha a disposição dos investidores seguirem no jogo entre dessas empresas começarem a entregar, alguns podem demorar décadas, mas se as premissas permanecem elas se mantem bem avaliadas, e esse é o caso da Amazon, que cresceu, diversificou e mostrou que pode e é a principal praia do e-commerce.

No geral o valuation das empresas da economia digital está pautado no fluxo de caixa para exercícios futuros, e ai que mora o perigo, pois o horizonte de qualquer negócio, seja ele digital ou não tem sempre uma série de variantes nem sempre previstas.

Lembro que a Amazon, por seus fundamentos e ajustes na estratégia, e que no ápice antes do estouro da bolha chegou a valer cerca de US$ 106, e com o estouro da bolha e os ataques do 11 de setembro, seus papéis foram vendidos a US$ 6. E é nessas crises que os verdadeiros líderes se destacam, pois Jeff Bezos prometia e cumpria, que ia reinvestir todo o lucro na operação para construir um negócio sustentável em longo prazo. Logo as ações que já valeram US$ 6 hoje já ultrapassaram incríveis US$ 3600 mil.

Foi o IPO do Google, apenas de 2004, que reabriu o otimismo para as empresas (ponto com), e que permitiu ao Face apenas oito anos depois abrir o seu capital na Nasdaq. Ou seja, de 2000 a 2004 o mercado das empresas digitais andou de lado.

Nesse momento os novos recordes mundiais do mercado de ações mantêm o debate sobre as altas valorizações do mercado.

Um levantamento feito pelo banco dinamarquês, Saxo Bank, e publicado recentemente no jornal Expression, faz uma lista de 40 grandes 1,3 trilhão, com características de bolha.

Energias renováveis e criptomoedas, setores queridinhos atualmente dos investidores, são apenas dois dos setores que mais geram debate nas últimas semanas sobre a possível formação de bolhas. Com os mercados acionários mundiais na área de recordes históricos, o consenso é amplo entre os analistas quando se trata de admitir que as avaliações atuais atingem níveis exigentes.

Os analistas do Banco Saxo, partem da premissa de que um reposicionamento desses preços deve ocorrer entre 12 a 18 meses, chamando inclusive a atenção para essas empresas.

O banco de investimento dinamarquês atualizou e renovou a metodologia utilizada para ajustar a identificação de possíveis bolhas. Além de localizar empresas “agressivamente valorizadas” com “características de bolhas”, elas incluem vários requisitos, como uma capitalização de mercado de mais de dois trilhões de dólares (cerca de 1,65 milhão de euros), um viés negativo nas previsões de resultados para os próximos 12 meses, e uma valorização da empresa mais de oito vezes maior do que suas vendas esperadas para 12 meses.

De um total de 3.776 papéis analisados, 194 ajustaram-se a esses parâmetros em termos de capitalização, perspectiva negativa sobre seus lucros e alta valorização em relação às vendas esperadas. Das 194 ações, o Banco Saxo publica e nomeia as 40 maiores empresas por capitalização nesta lista.

A maior das empresas “designadas” é a chinesa Kuaishou Technology, famosa empresa de vídeos curtos na Internet com aplicativos semelhantes ao TikTok e que já atingiu um valor de US$ 213,5 bi de euros.

Em segundo lugar está a Sea Ltd, com sede em Cingapura e especializada em Internet e videogames, avaliada em US$ 140,4 bilhões.

Dentro das possíveis bolhas, segundo a instituição financeira, estariam também o Airbnb americano, e o NIO chinês, conhecido como o ‘Tesla chinês’ por sua especialização em carros elétricos.

Nessa lista, os Estados Unidos e a China são responsáveis por 90% das empresas com características de bolhas. Sendo que Wall Street abriga 24 dessas empresas, e os mercados chineses para outras 12. A Europa limita sua representação a dois títulos, um do Reino Unido (a tecnologia de vendas têxteis online Farfetch) e outro dos Países Baixos (a empresa biofarmacêutica Argenx). A lista é completada por uma representação do Canadá (Canopy Growth Corp, focada no negócio da cannabis) e outra de Cingapura (a já mencionada Sea Ltd). A soma dessas 40 empresas atinge 1,56 trilhão de dólares de valor de mercado atualmente

Se há uma variável que gera alertas especiais, é a valorização dessas empresas. O valor médio das empresas é de 30,7 vezes suas vendas, uma proporção que, segundo o Saxo Bank, é cerca de 10 vezes maior que a das empresas do índice S&P 500 dos EUA, que é, por sua vez, um dos índices mundiais com as maiores avaliações.

A facilidade com que se cria uma nova bolha, esse foi o caso recente da GameStop, espanta a todos, pois mais cedo ou mais tarde as avaliações das ações incentivadas pelos fóruns do Reddit voltarão a níveis mais alinhados com a realidade econômica, concordam analistas.

O cenário, de forma acelerada indica uma necessidade de correções urgentes, e isso representa um sério risco para os pequenos investidores, logo fique atento a essa nova alta dos juros.

Em 2017, o mercado de criptomoedas foi dominado por pequenos poupadores asiáticos, com perfil especulativo e pouca experiência de investimento. Este perfil agravou a magnitude da punção da bolha. Durante 2020, analistas destacaram a mudança de perfil registrada no investidor médio do mercado de criptomoedas. Os EUA, especialmente os investidores institucionais dos EUA, levaram a “liderança” do mercado em detrimento da Ásia e de pequenos investidores de varejo.

Não resta duvida o valor do ebitda projetado dessas empresas são espantosos, e logo não se surpreenda se elas derreterem logo!

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