No último dia 31 de agosto comemorou-se 102 anos em que a cultura brasileira ganhou um de seus mais valiosos presentes, também conhecido como “O Rei do Ritmo, Jackson do Pandeiro”, um dos responsáveis pela consolidação da cultura nordestina na música nacional.
Nascido em Alagoa Grande, o Paraibano, José Gomes Filho (seu nome de registro), trabalhava na roça e sonhava ter um pandeiro. Essa vontade não era à toa, já que sua infância foi marcada pelas cantorias de coco de sua mãe, Flora Mourão. Quando se mudou para Campina Grande com a família, passou a tocar percussão com bandas regionais nas noites do Cassino Eldorado, como percussionista já consolidado, Jackson chegou ao Recife como um ritmista profissional e logo foi reconhecido por seu jeito com o pandeiro, lançando o seu primeiro álbum em 1955.
Quanto ao nome Jackson, ele veio de seu contato com o cinema mudo, pois via que boa parte dos artistas internacionais chamavam-se Jack, e logo, com a vontade de se tornar artista também, autonomeou-se Jack, e seus colegas passaram a chamá-lo de Zé Jack, passando para Jack e, finalmente, Jackson.
O sucesso de suas músicas e seu jeito de tocar rendeu a Jackson, no final dos anos 1970, milhões de exemplares de discos vendidos e o reconhecimento de artistas do Brasil todo, especialmente dos tropicalistas.
Vendo algumas publicações de alguns colegas durante essa semana, me deparei com uma história pra lá de interessante, sobre o Jackson do Pandeiro.
“De acordo com o escritor, poeta, compositor e músico paraibano radicado no Rio de Janeiro, Bráulio Tavares, não foi um acaso: a música “Mr. Tambourine Man” de Bob Dylan, que em tradução livre seria algo como “senhor do pandeiro”, foi inspirada em Jackson do Pandeiro.
Conta Bráulio Tavares que um dia, em 1964, o cantor norte-americano de folk visitou o Brasil em busca de inspiração nas músicas de raiz da América Latina e, por indicação da gravadora, foi ao Rio de Janeiro. Na capital fluminense, passando pela feira de São Cristóvão, reduto da cultura nordestina, se deparou com um senhor negro, com um chapéu de feltro, tocando um pandeiro magistralmente.
“Lá eles começaram a beber cachaça e Jackson tocando pandeiro, e eles lá, e o pessoal dizendo: ‘Dylan, seu avião vai sair às 9h’ e ele falando ‘não, eu vou ficar aqui porque tá legal demais’, e o dia amanhecendo, depois pegaram um carro e foram bater na praia. Ele pegou o avião e voltou para os Estados Unidos. Ficou com aquela história toda na cabeça, deslumbrado e daí veio a inspiração “hey, mister tambourine man, play a song for me”, que é algo como ‘ei, seu do pandeiro, toque uma música pra mim”, relata o escritor.
Essa é a história que Bráulio Tavares, paraibano de Campina Grande e fã tanto de Jackson do Pandeiro quanto de Bob Dylan contava antes de tocar sua versão de “Mr. Tambourine Man” no violão em apresentações ao vivo.
A interpretação feita com seriedade e a descrição minuciosa do encontro envernizou de realidade o conto oral declamado por Bráulio Tavares. Logo seria lenda ou verdade? Ou no jargão das redes sociais seria fato ou Fake News?
Alguns entendem que é pura verdade e para isso é só prestar a atenção na letra:
“Hei! Senhor Tocador de Pandeiro, toque uma canção para mim/ Não estou com sono e não há lugar onde eu possa ir/ Na aguda manhã desafinada eu o seguirei/ Embora eu saiba que todo império retornou ao pó/ Leve-me a uma viagem em sua mágica nave ressoante/ Longe do alcance distorcido da tristeza insana/ Sim, para dançar sob um céu de diamantes.”
Imaginar o encontro dessas duas figuras, ícones da música é por demais tentador, e esse talvez esse seja um dos maiores ingredientes das Fake News, aquela mentira que adoraríamos que fosse verdade.
Imaginar esse encontro de dois universos tão diferentes ligados pela música é algo fantástico, que mesmo que não tenha acontecido, a literatura, a música e a poesia tornam verdadeiro.
Dessa forma, nesse folheto, procuro não somente homenagear os Reis, mas também Bráulio e os feirantes de todo Brasil, pois todos são fontes de histórias maravilhosas.
A paixão pelo lúdico, também funciona como fermento de mentiras que gostaríamos que fossem verdade.
Nesse caso “Mr. Tambourine Man” (Sr. Homem do Pandeiro, em livre tradução) é o título da canção de 1965 de Bob Dylan, e logo uma das faixas obrigatórias em quase todos os seus shows.
Ela foi regravada por inúmeros artistas, e é tida como a responsável pelo surgimento de um novo gênero musical, o folk rock bem como jangle pop. Já imaginou ela ter nascido pela influência desse “possível encontro”?
Porém, sempre há o porém, essa canção, foi inspirada por Bruce Langhorne, um parceiro frequente nos trabalhos do artista, e foi escrita depois que ele viu o amigo chegar para uma sessão de estúdio trazendo um tipo de pandeirola turca com pequenos sinos.
Três versões da canção foram lançadas no Brasil, com quatro gravações: em 1981, gravada por Renato e seus Blue Caps com a participação de Zé Ramalho e por último em 2009, Zé Ramalho voltou a gravar uma nova versão, dessa vez feita por Braulio Tavares e com título “Mr. do Pandeiro”.
Foi com a versão de Tavares, paraibano como Jackson que foi construída a história desse “encontro”.
Quanto a Mr. Tambourine Man, que Dylan regravou diversas vezes, ela nasceu de fato inspirada em Langhorne, como já dissemos.
Composta em 1964 para o disco Bringing It All Back Home (1965), “Mr. Tambourine Man” foi inspirada em Bruce Langhorne, guitarrista presente na gravação original da composição e parceiro de longa data de Dylan.
Curiosamente, Langhorne aprendeu a tocar violino durante a infância e, mais tarde, sofreu um acidente com fogos de artifício, o qual o deixou apenas as pontas dos dedos da mão direita. Apesar da tragédia, o músico aprendeu a tocar guitarra.
O músico, desenvolveu sua própria técnica e se destacou com um dedilhado único, sendo uma inspiração para Dylan, com quem já gravava desde 1962.
Segundo Dylan, “Bruce tocava guitarra comigo nos primeiros discos. Ele tinha um pandeiro gigante […] do tamanho de uma roda de carroça. Ele estava tocando e essa visão dele tocando esse pandeiro ficou gravada em minha mente.”
Seis anos antes de morrer, o inspirador da musica Mr. Tamborine, lançou um disco solo chamado “Tambourine Mane”, vindo a falecer aos 78 anos em consequência da falência dos rins.
Para os amantes dessa bela ficção, é preciso esclarecer que Bob Dylan esteve a primeira vez no Brasil, somente em 1990, para participar do Hollywood Rock.
Uma curiosidade, é que esse show em São Paulo foi marcado por um encontro inusitado, de Dylan com Belchior. O encontro foi promovido por Gilberto Gil e está contado no livro Belchior “Apenas Um Rapaz Latino-Americano (2017), por Jotabê Medeiros.
Segundo o autor, Gil apresentou Belchior a Dylan como “o Bob Dylan brasileiro”. Em tom de brincadeira, Dylan teria respondido: “É mais provável que eu seja você na América”. E, em seguida, perguntou: “Quero ouvir seu álbum. Trouxe um?”.
Em que pese “Mr Tamborine” não ter sido inspirada nesse encontro ficcional, em 2010 Bob Dylan inaugurou uma exposição, The Brazil Series, no Museu Nacional de Arte de Copenhague, na Dinamarca. A mostra reuniu 40 pinturas em acrílico e oito desenhos criados pelo músico no estúdio de sua casa, entre dezembro de 2008 e março de 2010.
Das mais de 40 telas expostas no museu dinamarquês, duas chamaram a atenção: Favela Villa Broncos (citada no catálogo como sendo carioca) e The Incident. Segundo o jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno, a tela The Incident teria sido inspirada na visão de um cadáver na calçada da Avenida Ipiranga quase esquina com 7 de Abril.
Em seu programa de rádio, Theme Time Radio Hour, exibido entre 2006 e 2009, Dylan apresentou um episódio temático sobre o Brasil, que ele chama de “o gigante da América Latina”, com direito a Aquarela do Brasil, cantada por Elis Regina.
No programa Dylan declara: “Existe uma parte na América do Sul onde não se fala espanhol. Fala-se português. É um país adorável, com 184 milhões de habitantes. Esse país ocupa quase metade do continente. Acredito que seja maior do que os Estados Unidos. Seu lema é ‘Ordem e Progresso’. É onde você encontra São Paulo e Rio de Janeiro, dois dos lugares com as melhores festas que conheço. Estou falando do Brasil!”, declarou no rádio.
Curiosamente, em toda sua discografia, Dylan só fez menção ao Brasil uma única vez. Na canção Union Sundown, do álbum Infidels (1983), o país é citado nos versos: “All the furniture, it says ‘Made in Brazil’ / Where a woman, she slaved for sure / Bringin’ home thirty cents a day to a family of twelve / You know, that’s a lot of money to her…”.
De 1990 pra cá Bob Dylan esteve ao todo em cinco oportunidades no Brasil (1990, 1991, 1998, 2008 e 2012) em um total de 19 shows em cinco cidades: Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília, e claro pelas datas sem a menor possibilidade de um encontro “nesse plano” com Jackson do Pandeiro.
Por isso gosto dessa história para ilustrar o fato de que, em que pese todo avanço tecnológico, as redes sociais, na distribuição do conteúdo de forma veloz, por vezes constroem verdadeiras lendas, de acordo com a vontade de quem divulga e compartilha a notícia, que muitas das vezes vem com seu conteúdo editado para dirigir o intérprete para o lado que lhe convém, e assim reproduzimos e replicamos maldades sem fim.
Como bem destaca Lucia Santaella na obra Temas e Dilemas do Pós-Digital: “Como se dá a relação entre as três ciências, como elas se interconectam? A ação humana é ação raciocinada, que, por sua vez, é deliberada e controlada. Mas toda ação deliberada e controlada é guiada por fins, objetivos, os quais, por seu lado, devem ser escolhidos. Essa escolha, se for fruto da razão, também deve ser deliberada e controlada, o que, ao fim e ao cabo, requer o reconhecimento de algo admirável em si mesmo para ser almejado. A lógica como o estudo do raciocínio correto é a ciência dos meios para se agir razoavelmente. A ética ajuda e guia a lógica através da análise dos fins aos quais esses meios devem ser dirigidos. A estética guia a ética ao definir qual é a natureza de um fim em si mesmo que seja admirável e desejável em quaisquer circunstâncias, independentemente de qualquer outra consideração de qualquer espécie que seja. A ética e a lógica são especificações da estética. A ética propõe quais propósitos devemos razoavelmente escolher em várias circunstâncias, enquanto a lógica propõe quais meios estão disponíveis para perseguir esses fins.”
Logo, a lógica, a ética e a estética sempre estão presentes na propagação de Fake News, seja por quem produz o conteúdo, ou por quem recebe e compartilha o conteúdo, fazendo correr pelos quatro cantos a “verdade” (versão) que lhe for mais conveniente.
Por óbvio a questão não se esgota na ética, mas avança para a política, uma política nutrida na arte do existir, logo a liberdade sempre caminhará ao lado desses valores, que são sempre guia e desafio ao mesmo tempo.
O que não é novo é a quantidade de distorções da verdade produzidas nas redes sociais, ao ponto de nos levar ao conjunto ideológico e religioso dos valores e das verdades em detrimento às Fake News.
Não se aborreça se o seu amigo vive compartilhando Fake News, saiba que ele não está só e muito menos é minoria, espalhar inverdades é um dos grandes problemas desse novo mundo digital, e por certo não iremos arder na fogueira santa das redes sociais.