Nos últimos dois anos o bloqueio de contas, plataformas ou perfis na Internet se espalhou, tanto em países sob regimes autoritários quanto em estados democráticos.
E logo abre-se uma considerável polêmica, afinal qualquer bloqueio de conteúdo pode ser considerado censura? As regras de divulgação de conteúdo de uma plataforma podem ser tipificadas como censura?
A provável exigência que uma rede social para atuar no Brasil precisa ter um escritório aqui no Brasil, tem base legal?
São questões novas que ganham uma absurda relevância em tempos eleitorais.
O curioso é que para os mais extremistas todo e qualquer limitação de conteúdo seria censura, e o mais engraçado desse tipo de manifestação é que algumas delas defendem a volta da ditadura? Será que essa gente não sabe que não existe liberdade de conteúdo na ditadura? Ou fizeram um segundo grau fraco? Nesse embate que sai do jurídico e namora com o partidarismo extremado onde eleitores viram torcedores dos mais fanáticos, uma provável intervenção tem um peso maior, a que deve atingir o Telegram.
Curiosamente, esse aplicativo ganhou seu primeiro espaço em razão de inúmeras decisões judiciais que por alguns anos tiravam o WhatsApp do ar, e logo cada nova decisão em primeiro grau era festa no Telegram que ganhava milhares de usuários no Brasil.
Recentemente, o apagão global dos aplicativos do Meta: Facebook, Instagram e WhatsApp, deu mais um empurrão mundo afora para outras redes sociais, no caso brasileiro, caiu no colo do Telegram que é tido como o principal concorrente do WhatsApp no Brasil, a cada instabilidade ou polêmica do rival, ele cresce e ganha mais usuários brasileiros.
A consultoria Sensor Tower, que avalia crescimento no mercado mobile, também mostra que o Telegram registrou uma alta de avaliações positivas e só no mês de setembro, quando o Face e seus aplicativos falharam, seu concorrente teve 21 milhões de downloads.
Porém no Brasil, assim como em muitos países mundo afora, as redes sociais devem receber limites mínimos, como disse no discurso de abertura do ano no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, “Não gosto da ideia de banir uma plataforma, mas também não gosto da ideia de haver venda de armas em uma plataforma, por exemplo”.
Desde 2020 as principais redes sociais mudaram o comportamento e passaram a cooperar com a Justiça Eleitoral para evitar a disseminação de notícias falsas, sendo que nas eleições municipais passadas, o TSE fez parcerias com Facebook, Whatsapp e Tiktok a fim de tentar conter redes de desinformação.
Porém com o Telegram, a relação foi bem diferente, pois a empresa não respondeu ao pedido de reunião feito pelo presidente do TSE em dezembro e, sem representação no Brasil para receber e cumprir ordens judiciais, acabou se tornando um território fora do controle da Justiça brasileira.
É bom lembrar, que no aplicativo russo, não há limite para encaminhamento de mensagens e o número de pessoas presentes em grupos pode chegar a 200 mil, logo é um prato cheio, para o disparo de notícias falsas e muitos delírios.
O ministro na sua fala foi além: “Se alguém veicular que detergente combate covid, isso não é liberdade de expressão. É um risco à saúde e à vida dos cidadãos. Se alguém divulgar que vacina dá câncer, não é liberdade de expressão, e sim risco à saúde. Se disserem que há fraude na eleição sem apresentar nenhuma prova, isso também não é liberdade de expressão”, pois “A mentira deliberada não é um outro lado da história. É só uma mentira”, insistiu.
Recentemente a OEA elogiou medidas adotadas pelo TSE para conduzir a eleição durante a pandemia e também os esforços da Justiça Eleitoral na criação de mecanismos para tentar controlar as notícias falsas. O trabalho brasileiro, segundo a OEA, é de utilidade para os demais países da região.
Evidentemente que todo regramento de meios de comunicação, sejam eles redes sociais ou a mídia tradicional, sempre no traz inúmeros receios, pois não são poucos os dirigentes que estão se valendo desse expediente.
Em março de 2019, o jornalista venezuelano Luis Carlos Díaz foi preso pela polícia política de seu país, sebin, por instigação pública. O conhecido ciberativista e defensor dos direitos humanos ainda mantém um julgamento aberto na Venezuela que o impede de falar sobre a detenção e a suposta tortura a que foi submetido por denunciar a censura e o bloqueio da internet sofrido por seu país.
De acordo com o estudo publicado em agosto de 2021, pela plataforma Comparitech, após analisar as proibições e restrições de países ao redor do mundo, “embora os culpados habituais ocupem os primeiros lugares, alguns países aparentemente livres ocupam um lugar surpreendentemente alto (no ranking dos estados que censuram a Internet). Com restrições em vigor e leis pendentes, nossa liberdade online está mais em risco do que nunca.”
Na lista de “culpados usuais” que a plataforma menciona são países como China ou Coreia do Norte, onde os usuários não podem usar redes sociais ocidentais, visualizar pornografia ou usar torrents ou VPNs. Eles são seguidos pelo Irã, Bielorrússia, Catar, Síria, Tailândia, Turquemenistão e Emirados Árabes Unidos, onde censuraram alguns meios de comunicação e restringiram as redes sociais.
Na maior parte do Ocidente, as restrições são menos severas, mas não é difícil encontrar países que banem ou desligam sites de torrents, arquivos que podem ser baixados ou que restringem a mídia privada ou o consumo de conteúdo pornográfico.
Além disso, de acordo com o último relatório Freedom on the Net 2020 da Freedom House, “a pandemia coronavírus está acelerando um declínio dramático na liberdade global da Internet”. Por um lado, os líderes políticos usaram a pandemia como pretexto para limitar o acesso à informação. Além disso, consideram no relatório que as autoridades utilizaram Covid para justificar a ampliação dos poderes de vigilância e a implantação de novas tecnologias, em alguns casos intrusivas.
Finalmente, eles afirmam que, no último ano, a Internet se tornou uma corrida implacável em direção à “soberania cibernética”, com cada governo impondo suas próprias regulamentações, de forma a restringir o livre fluxo de informações através das fronteiras nacionais.
Nesse momento, tanto em países autoritários quanto democráticos, há uma tendência de aumentar a regulação diante do fato de que hoje todos podem se expressar com grande impacto através da Internet, por isso há uma tendência de colocar restrições à liberdade de expressão”, explica Joan Barata, Bolsista de Responsabilidade Intermediária do Centro de Internet e Sociedade da Stanford Law School (EUA) e especialista em liberdade de expressão e especialista em liberdade de expressão e regulação da mídia.
Mas, além dos possíveis bloqueios e sanções dos governos, há outra fórmula cada vez mais difundida de restringir publicações nas redes através das próprias regras das próprias redes.
Definitivamente o debate é muito mais complexo, porque não afeta diretamente o Estado, mas atores privados como as redes sociais. Essas plataformas são empresas que têm um modelo de negócio e que determinam regras de convivência.
Perdemos a capacidade de entender que a ofensiva também faz parte da liberdade de expressão. Não há direito de não se ofender, o limite é que haja um dano aos direitos de terceiros.
Redes sociais mais civilizadas são alcançadas através da educação, com um clima de pluralismo e maturidade democrática. O que não podemos fazer é tentar consertar a sociedade através das redes. As redes são um reflexo da sociedade, você tem que fazer o contrário, e claro ser juridicamente responsabilizado pelos seus delírios.
Nessa semana o Ex-Presidente do Supremo, Carlos Ayres Brito, em uma entrevista ao Jornal Estadão destacou, que “É reducionismo tacanho identificar fake news como liberdade de expressão”
O ex-ministro lembra: “a liberdade de expressão, ali detalhada, é um dos direitos essenciais da vida do País. Sem ela, a personalidade humana se esboroa, se desmilingui mas há limites”. Essas delicadas fronteiras da comunicação dirigida ao público amplo são aqui destrinchadas pelo jurista por conta do caso do apresentador Bruno Aiub, o Monark, que defendeu há poucos dias, no Youtube, a criação de um partido nazista no Brasil. Após essa conversa, ele acabou sendo demitido do podcast Flow
Aires Brito lembra que “O nazismo é um atentado ao Estado Democrático de Direito. Isso está na Constituição no artigo 5.º, inciso 74: constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional.”
Entender que a liberdade de expressão é uma carta branca para qualquer delírio ou atentado ao Direito do próximo.