Por vezes o evoluir de novas tecnologia, implica em uma mudança em inúmeros segmentos cuja correlação é inimaginável.
Esse é o caso da necessidade imperial das ciclovias, que se no primeiro momento eram uma necessidade de saúde e mobilidade, hoje são um elemento estrutural de redesenho de novas cidades, com seus trabalhos remotos e estações de trabalhos em bairros residenciais que diminuem o deslocamento e exigem um novo marco regulatório urbanístico e laboral.
O bom do conhecimento científico, é que por não se baseado na fé ou na paixão por falsos mitos, ele se corrige e é dinâmico, logo algumas premissas que são verdadeiras hoje, podem ser modificadas com a prova científica de um novo estudo, mas não por fé ou delírio de ídolos e governantes de plantão. Esse destaque que faço é bem exemplificado por Stuart Russel no livro “Inteligência artificial a nosso favor: Como manter o controle sobre a tecnologia”, que destaca uma passagem histórica da ciência, “O progresso científico é notoriamente difícil de prever. Para termos ideia disso, basta examinarmos a história de outro campo com potencial para acabar com a civilização: a física nuclear. Nos primeiros anos do século xx, talvez nenhum físico nuclear fosse mais notório do que Ernest Rutherford, o descobridor do próton e “o homem que dividiu o átomo”. Como seus colegas, Rutherford sabia muito bem que os núcleos atômicos armazenavam quantidades imensas de energia; mas predominava a opinião de que era impossível explorar essa fonte de energia. Em 11 de setembro de 1933, a Associação Britânica para o Avanço da Ciência realizou sua reunião anual em Leicester. Lorde Rutherford falou na sessão da noite. Como fizera muitas vezes antes, jogou um balde de água fria na perspectiva da energia atômica: “Qualquer pessoa que busque uma fonte de energia na transformação dos átomos está falando bobagem”. O discurso de Rutherford foi noticiado pelo Times de Londres na manhã seguinte. Leo Szilard, físico húngaro que tinha acabado de fugir da Alemanha nazista, estava hospedado no Imperial Hotel, na Russell Square, em Londres. Leu a notícia do Times no café da manhã. Enquanto refletia sobre o que tinha lido, saiu para uma caminhada e inventou a reação em cadeia induzida por nêutrons. O problema de liberar energia nuclear passou da condição de impossível para a de basicamente resolvido em menos de 24 horas. Szilard requereu uma patente secreta para um reator nuclear no ano seguinte. A primeira patente para arma nuclear foi concedida na França em 1939. A moral dessa história é que apostar contra a criatividade humana é temerário, em especial quando nosso futuro está em jogo.”
Se nos primeiros anos a defesa das bikes e das ciclovias era uma conversa de gente alternativa, hoje adotar bikes, patinetes e outros meios de micromobilidade passou a ser uma necessidade.
Nessa semana, Milão, que é conhecida como a capital mundial da moda e do design, além de ser referência em arte e finanças, anunciou que pretende implantar 750 kms de ciclovias, e assim deve ser em breve conhecida como cidades das bicicletas.
Com 7 milhões de pessoas, Milão lança o desafio de conciliar os séculos de tradição com o atendimento de demandas bem modernas: fugir dos automóveis e pensar em novas tecnologias urbanas nos deslocamentos das pessoas.
A proposta dos milaneses é reunir toda a região metropolitana em uma malha de ciclovia radial, que parte do centro em 16 rotas e se expande em direção à periferia. O movimento se assemelha à rede viária já existente para carros. Os eixos cicloviários serão ligados por cinco círculos, permitindo a integração entre diferentes espaços da cidade e da região metropolitana, sem precisar ir até o centro da capital da Lombardia. O governo local pretende equipar todo o trajeto com fibra ótica, o que permitirá, por exemplo, detectar em tempo real as condições de iluminação e acender as luzes sempre que a claridade não ajudar o ciclista, medida que oferece mais segurança para quem pedala.
A superciclovia também terá 80% dos equipamentos públicos a menos de 1 quilômetro de distância dela. Serviços de saúde e de educação, além das empresas que reúnem um grande número de trabalhadores, serão de fácil acesso.
O investimento para isso é alto: a estruturação da nova rede cicloviária está estimada em cerca de R$ 1,5 bilhão. É como se por mais de dois anos todo o orçamento ligado à mobilidade da cidade de São Paulo fosse destinado às ciclovias, sem apoio de qualquer outro tipo de atividade, como destaca uma reportagem do Jornal Estadão.
A mobilidade está no centro do repensar nossas vidas, desde uma aula que podemos fazer de forma remota evitando o deslocamento até um novo regramento para os edifícios comerciais e residenciais que precisam ampliar os espaços para estacionamento de bikes e patinetes elétricos, mostrando que a sustentabilidade não é apenas um discurso de moda, mas um caminho obrigatório, onde todos participam.
Nesse momento discutir as garantias de deslocamento das pessoas nas cidades de forma sustentável e equitativa esta na pauta das prioridades, que precisam promover a conexão da mobilidade urbana disruptiva, sustentável e inclusiva.
A transformação digital de nossas vidas, é transversal e logo muda hábitos rotineiros, e por isso o convívio harmonioso de carros, motos, bikes, patinetes e pedestres está na ponta desse desafio inclusivo.
Até 2030, o mercado mundial de mobilidade vai crescer cerca de 75%, segundo dados do Oliver Wyman Fórum, saindo de US$14,9 trilhões, em 2017, para US$ 26,6 trilhões, em 2030, mais do que uma participação per capita da economia esses números indicam a urgência do repensar regulatório.
Tecnologia que vence sempre será aquela que represente um aumento da comodidade e do conforto para seu usuário, e isso não depende apenas da solução, mas também de um conjunto de fatores que venham a recepcionar essa nova tecnologia.
Tente imaginar nossos celulares sem um conjunto de normas que tenha criado um ambiente de incentivos e obrigações para os prestadores de serviço? Já pensou aparelhos sem linhas e sem cobertura? Transmissão de dados travando? Isso apenas para ficar no exemplo dos celulares.
O mesmo ocorre com a oportunidade e o desafio da micromobilidade. Nesse momento, com a volta crescente das atividades presenciais e mesmo com o elevado preço dos combustíveis, as cidades, sejam elas grandes ou médias, já assistem ao crescimento elevado dos congestionamentos, o que certamente está impulsionado pelo receio das pessoas voltarem ao transporte público, afinal, esse período pandêmico ampliou ainda mais as dificuldades financeiras das empresas de transporte público, basta acompanhar os noticiários para termos a dimensão desse problema, que resultou em redução de horários, sucateamento da frota e ônibus mais lotados.
E qual o papel da tecnologia e dos instrumentos regulatórios nesse problema?
Bem, a micromobilidade, leia-se o uso de patinetes elétricos, bicicletas elétricas ou não, tanto para o transporte de pessoas ou de cargas, vem ganhando espaço no mundo todo por uma série de fatores. Em que pese uma série de problemas que algumas empresas que trabalham no compartilhamento desses meios de locomoção tenham tido no seu início, seja por estratégias equivocadas ou por foco no crescimento sem planejamento e sem ajustes regulatórios, essa primeira etapa pode ter servido como um sandbox regulatório para aperfeiçoamento desse importante modal na melhoria do transporte em nossas cidades, e desde já adianto que estamos de um problema complexo, sem soluções simplistas, isoladas ou ações únicas promovidas por eventuais “messias” governamentais, seja nos Municípios, Estados ou na União, a solução para esse importante problema passa de forma transversal por todos os agentes públicos, pela iniciativa privada e por seus usuários.
Desde que algumas empresas começaram a implantar em algumas cidades, de forma completamente unilateral, frotas de bicicletas ou patinetes no modo free-floating, o que levou a um modelo em que as regras não eram nada claras, a regulamentação nesse sentido deu uma dimensão da sua importância.
Obvio que em um enfrentamento a esse primeiro momento as cidades, tentaram colocar esse fenômeno sob um certo nível de controle, tentando não corroer as possibilidades de que esse tipo de veículo poderia contribuir para toda a mobilidade urbana, mas evitando os abusos que, na forma de patinetes rolando nas calçadas e ameaçando pedestres ou veículos jogados descuidadamente em todas as esquinas, eles começaram a aparecer excessivamente habitualmente.
É certo que a difusão tecnológica desse modal, tem sido muito semelhante ao de outras inovações: uma infinidade de clichês que falavam da taxa de acidentes supostamente elevada desse tipo de veículo (completamente falso) ou padrões que, segundo alguns, não beneficiam a mobilidade cidadã.
Assim como Milão e Londres, cidades como Paris, com uma redução acentuada no espaço dedicado aos carros e uma implantação muito ambiciosa de pistas dedicadas à micromobilidade que conseguiram reduzir consideravelmente as emissões, fecharam partes da cidade para o tráfego, mas é claro é preciso substituir os carros por algo que seja melhor para todos.
E veja ai a importância da tecnologia, seja pela unificação técnica dos patinetes e bikes disponíveis mais próximos do usuário, permitindo com que esses aplicativos de compartilhamento fossem unificados, não em seu negócio mas em sua disponibilidade, com um conjunto de informações para o usuário, tendo como beneficiário toda sociedade? Se eu estou cadastrado em três aplicativos, qual o motivo desses aplicativos não serem unificados dentro do google e eu ter a informação de qual equipamento estar mais próximo de mim, com o respectivo preço? Qual a razão do meio de pagamento não ser unificado, indo bem mais além do conceito de compartilhamento?
As ruas devem ser das pessoas e dos automóveis em segundo plano, logo o papel regulador dos Municípios passa, pelo alargamento de calçadas, obrigatoriedade de bicicletários em maior número nos prédios, comerciais e residenciais, o que de imediato ampliaria o uso desses equipamentos, e a empregabilidade na construção civil na edificação e instalação desses equipamentos. Pense apenas na padronização e alargamento das calçadas e ampliação das ciclovias?
Usando uma terminologia bem atual é preciso reduzir o empoderamento dos veículos, veja por exemplo o tamanho da renúncia fiscal que União e Estados concedem as montadoras de automóveis e procure saber o que ofertam aos fabricantes de outros modais logísticos?
A normatização da micromobilidade, com eficiência, inteligência e segurança para todos, seja usuários desse modal ou não oferta um ganho para toda sociedade.
Com cidades mais limpas, menos congestionadas e com o uso do espaço ordenado e mais democrático, estimulando a construção civil no aprimoramento desses equipamentos, o que contribui na geração de empregos.
Mais empregos, mais saúde e menos trânsito nas cidades do presente e do futuro, o espaço público é de todos e não apenas de quem tem o privilegiado capital para circular com carros poluentes.
O transporte e a gestão inteligentes do tráfego estão transformando a forma como as cidades abordam a mobilidade. Com o surgimento da Internet das Coisas (IOT), é possível aplicar várias tecnologias para monitorar, avaliar e gerenciar diferentes sistemas de transporte, reduzindo o tempo de deslocamento e aumentando a segurança, logo espaços e equipamento pouco usados estão com os seus dias contados.
A tecnologia da informação, deve ofertar um conjunto permanente de conteúdo para escolha das melhores rotas e modais.
De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, publicada em 2012, é preciso contribuir para o acesso universal à cidade por meio do uso igualitário do espaço público. A aplicação da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no gerenciamento da mobilidade urbana não pode apenas se restringir a coleta e aplicação de dados. É preciso entender as causas da segregação urbana e buscar soluções para diminuir as disparidades sociais nos deslocamentos.