Na economia digital, muitas são as empresas que tal qual um foguete, desenham a sua trajetória, outras fazem da sua caminhada uma verdadeira montanha russa, com fortes emoções, mas não pense que muito dinheiro nesse segmento representa sucesso absoluto, que o dia a Grow de bikes e patinetes compartilhados que no final de julho entrou com seu pedido de recuperação judicial. Segundo trabalho publicado pela Fundação Dom Cabral, 75% das Startups deixam de existir em até 13 anos, uma média não muito diferente das empresas da nossa velha economia.
No caso da Grow, uma resultante da fusão entre a Yellow e a Grin, a empresa que recebeu investimentos que somados beiram R$1 bi pode ser o claro exemplo de que apenas dinheiro e uma ótima perspectiva não são suficientes, ou alguém desconfia do potencial do mercado de compartilhamento de bikes e patinetes?
O que leva uma startup que já foi avaliada em cerca de R$3,7bi. a entrar em recuperação judicial 18 meses após ser apontada como um novo unicórnio?
Se o ano de 2019, antes da fusão com a mexicana Grin, e quando ainda se chamava Yellow iniciou com a expansão da operação para as praças do Chile, Uruguai, Argentina, Colômbia e México, as tempestades que viriam pela frente não apareciam no radar de muitos profissionais experientes.
A expansão fez parte da estratégia logo após a empresa receber uma rodada de investimentos avaliada em US$ 63 milhões, totalizando somente na época US$ 75 milhões desde quando foi criada. Com sócios experientes na sua fundação como fundadores da 99, primeiro unicórnio brasileiro, Ariel Lambrecht e Renato Freitas e com o ex-presidente da Caloi Eduardo Musa, ou seja sócios experientes que entendiam de mobilidade e de startups.
Logo em seguida saiu a fusão com a Grin, que também já era originária de outra fusão, entre startups de patinetes elétricos Ride (brasileira) e Grin (mexicana). Essa fusão já era resultado de um aporte de US$ 45 milhões recebidos pela Grin em uma rodada série A, cujo objetivo principal era expansão em regiões estratégicas, como a América Latina. Já a Ride surgiu como uma aposta de três sócios brasileiros que acompanharam o crescimento das startups de mobilidade em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Com a fusão em janeiro de 2019 entre a Grin e Yellow a empresa, começou a se chamar Grow. As duas combinadas tinham cerca de 135 mil veículos e mais de 1,1 mil funcionários em seis países e como resultado da fusão a sociedade passou a ser comandada por Sergio Romo, cofundador da Grin.
Em número, para concretizar o negócio, as duas empresas levantaram US$ 150 milhões em investimentos com os fundos, isso porque aoo todo já tinham recebido aportes nas companhias juntas de US$ 145 milhões de seus investidores.
A fusão tinha como propósito ter maior musculatura para concorrer com a possível chegada de rivais americanas ao mercado brasileiro de mobilidade (Uber’Lime). O controle da operação ficou na mão da, Grin, que teve na época, pelo controle acionário direito a duas cadeiras no conselho. Na época da fusão, Eduardo Musa, ex-presidente da Caloi deixou a operação.
Muitos foram os desafios dessa operação, ou melhor de todas as startups com propostas disruptivas, como o compartilhamento de bikes e patinetes com o uso de nossas vias e suas calçadas, em que pese os benefícios para micromobilidade.
Tudo parecia ir muito bem, inclusive com o anuncio de uma fábrica de patinetes em Manaus, na Zona Franca, com om investimento previsto de R$ 25 milhões em infraestrutura e custos de operação, a fábrica teria cerca de 5 mil m² e deveria entrar em funcionamento no início de 2020, o que nunca ocorreu. A previsão da empresa, era de fabricar cerca de 100 mil veículos por ano na planta.
Ao todo o empreendimento iria gerar empregos diretos para cerca de 100 pessoas e gerando mais de 500 empregos indiretos na região, com a fabricação própria a ideia era gerar uma economia nos custos de compartilhamento de cerca de 30%.
Enquanto as operações no Brasil caminhavam bem, lá fora, operações similares noticiavam seus primeiros prejuízos. A gigante dos patinetes Lime, caminhava para um registro de prejuízo de cerca de US$ 300 milhões no ano, isso para quem tinha uma receita de US$ 420 milhões, dando mostras do pouco zelo com o dinheiro do investidor.
O ano de 2020 começou e iniciaram os cortes na Grow, reduzindo a oferta do seu serviço em cerca de 14 cidades além de interromper o serviço de bicicletas. Junto com essa redução iniciaram as demissões, como já se esperava
O aporte esperado pelo SoftBank não veio, e a empresa iniciava agora o seu calvário. Caso ocorre-se o aporte, a empresa estaria valendo cerca de US$ 700 milhões.
Outros fatores de negócios também influíram para a crise da Grow, como o fato de que os patinetes ainda têm alto custo para muitas pessoas, pois uma corrida de dez minutos custava cerca de R$8,00 valor muito próximo do Uber.
Outro fator foi o elevado custo de manutenção, visto que todos os itens eram importados. As bikes sofreram com o mesmo problema, com o agravante de que sua margem de lucro era bem mais baixa, logo é muito provável que o serviço de locação de bike não volte.
Outro fator que contribuiu para crise, foi o crescimento acelerado da empresa, que saltou de 4 para 17 cidades brasileiras no intervalo de um ano.
Por último a falta de um marco regulatório para todo Brasil, e não um para cada cidade, e por conta disso muitas cidades proibiram a operação.
Nos últimos capítulos a empresa de comércio eletrônico Peixe Latam, conhecida pela marca Peixe Urbano, entrou para tentar barganhar o preço da empresa na bacia das almas.
Com problemas em sua governança interna, com brigas entre mexicanos e brasileiros, e falta de capital, além de um modelo de negócios em que a lucratividade ainda é algo difícil de ser encontrado, a Grow vem lutando para sobreviver
Tudo, parecia ser a crônica de uma morte anunciada. E logo nada é tão ruim que não possa piorar, e assim veio a Pandemia que colocou uma pá de cal no negócio. Com a queda metade de todos os colaboradores foram demitidos.
Outras tentativas de sobrevivência vinham sendo feitas, como o aluguel mensal de patinetes considerando a grande sobra do número deles no seu estoque, entre as inúmeras reduções de pessoas e de área locada
A última cartada foi dada no final do mês de julho, quando entraram com pedido de recuperação na 1.ª Vara de Falências da Justiça de São Paulo. As dívidas apresentadas somam cerca de R$ 40 milhões.
Dívidas e investimentos de quase R$1 bilhão em investimentos, que estão virando pó, e que só reforçam a necessidade de maior rigor na condução das startups.
Como ficam os investidores? Quem deverá proteger?