BIG TECHS VÃO PRA GUERRA

As mudanças nas novas regras da União Europeia está produzindo de forma mais que surpreendente a união das big techs para esse enfrentamento.

A gigante norte-americana e um grupo de empresas de tecnologia europeias que reúne Booking, Zalando e Vinted já estão exigindo mudanças nas novas regras da UE.

Há apenas um ano, a Comissão Europeia apresentou sua proposta de lançar a maior iniciativa legislativa em duas décadas para o setor digital comunitário, numa renovação dos regulamentos com os quais quer adaptar a arquitetura jurídica europeia para poder pôr um fim aos grandes gigantes tecnológicos.

No entanto, a nova legislação da UE, à Lei dos Mercados Digitais (DMA) e à Lei de Serviços Digitais (DSA) ainda está em processo de negociação entre os dois co-legisladores da UE, o Parlamento Europeu e o Conselho da UE, órgão que representa os 27 países da União Europeia.

As grandes empresas de tecnologia estão se movimentando para pressionar pela elaboração do quadro legislativo e estão lutando por mudanças na proposta inicial apresentada pela Comissão que agora será ajustada no processo de negociação.

A Apple está sendo uma das mais ativas no lobby para introduzir mudanças na nova legislação. A gigante de Cupertino está pedindo à UE que reconsidere artigos sobre a Lei de Mercados Digitais que forçariam a Apple a abrir seu ecossistema fechado para permitir que aplicativos sejam baixados de lojas de terceiros, uma prática conhecida em inglês como sideloading.

Especificamente, apontam para a definição atual que a legislação faz dos gatekeepers, ou seja, empresas consideradas como guardiões de acesso que desempenham um papel particularmente relevante no mercado europeu devido ao seu tamanho e sua importância como porta de entrada para que outras empresas cheguem aos consumidores. Essas empresas alertam que, se a nova lei não for modificada, estabelecerá um “obstáculo regulatório para o crescimento das plataformas digitais europeias”.

Essa noção é o principal pilar da Lei dos Mercados Digitais com a qual Bruxelas quer atingir gigantes como Google, Apple, Meta ou Amazon.

No momento que o universo regulatório de quem tem capacidade impositiva aumenta essas empresas organizam melhor o seu lobby para o enfrentamento.

Lembro como já destaquei em outros artigo, que atualmente, o setor de tecnologia e de empresas digitais, é o que mais gasta em atividades de lobby na Europa, só para ficarmos nesse continente, estando com seus dispêndios acima das indústrias farmacêutica, automotiva ou financeira, de acordo com um recente estudo, que foi publicado na última terça-feira pelos grupos de pesquisa Corporate Europe Observatory e LobbyControl.

De acordo com o relatório, a big tech gasta em média pelo menos 97 milhões de euros por ano para exercer pressão sobre as instituições da EU (isso apenas na Europa), uma quantia que os pesquisadores dizem que supera o resto dos gastos dos lobistas do setor privado, ou seja, elas gastam mais do que todo o restante da economia juntos, o que pode dar a dimensão da importância para essas empresas nos novos marcos regulatórios.

O aumento dos grupos de pressão, explica o estudo, coincide com o debate, dentro da União Europeia, de regulamentações mais rigorosas para essas empresas de tecnologia, por meio da Lei de Serviços Digitais e da Lei dos Mercados Digitais.

O propósito desse lobby é um só “opor-se a quaisquer regras rígidas que possam afetar o modelo de negócios da Big Tech e suas margens de lucro”.

Esse movimento só indica a importância da sociedade civil organizada na participação dessa discussão, sob pena de sermos atropelados por esses gigantes.

Para a Apple, o sideloading quebraria as proteções de segurança do iPhone, um dos flagships de seu smartphone, e exporia os usuários a sérios riscos à segurança, opinião absurdamente controversa.

A Apple publicou recentemente um estudo no qual defendeu sua política de fechar seu ecossistema para o download de aplicativos de lojas de terceiros como uma estratégia eficaz contra ameaças à segurança cibernética.

Em sua análise, estimou que os usuários de Android sofreram entre 15 e 47 vezes mais infecções por malware do que as do iOS por esse motivo. Além disso, acrescenta que há quase 6 milhões de ataques por mês em clientes Android. As ameaças mais comuns que ele identifica são adware, ransomware ou Trojans bancários.

Por outro lado, um grupo de empresas de tecnologia europeias, fora das big techs (Booking, Zalando, Vinted, Allegro, Delivery Hero, Wolt, Bol e eMag) também uniram forças para pedir à União Europeia mudanças nas regulamentações diante dos possíveis danos que as novas regras podem infligir ao seu crescimento.

Essa noção é o principal pilar da Lei dos Mercados Digitais com a qual Bruxelas quer atingir gigantes como Google, Apple, Meta ou Amazon.

No entanto, esse grupo de empresas de tecnologia lideradas pela Zalando e pela Booking expressa seu “alarme” para o que consideram uma definição técnica imprecisa de “usuários finais ativos” como “visitantes” para todas as plataformas, independentemente de seu tamanho.

Nesse sentido, eles explicam que o uso errôneo “drasticamente” distorce os números relevantes, uma vez que um grande número de usuários visita as plataformas ou baixa os aplicativos, mas automaticamente não se traduz em clientes que compram produtos ou serviços neles.

Assim, alertam que, se a nova lei não for modificada, estabelecerá um “obstáculo regulatório para o crescimento das plataformas digitais europeias”.

O processo legislativo ainda está longe de se concretizar. O Conselho e o Parlamento estão finalizando suas posições para avançar em uma negociação que não é esperada até o próximo ano. Um dos pontos de aderência são os limites de avaliação para determinar quais empresas serão afetadas pela regulação.

O compromisso da União Europeia com a transição digital está acelerando. O Executivo da UE anunciou ontem investimentos de 1.980 milhões de euros nos três primeiros programas de trabalho incluídos em seu programa Digital Europe.

Dessa forma, a iniciativa destinará a maior parte dos fundos (cerca de 1.400 milhões de euros) para fortalecer o investimento em setores digitais que considera fundamentais, como inteligência artificial (IA), espaços em nuvem e dados ou habilidades digitais avançadas. Ao mesmo tempo, a segurança cibernética receberá cerca de 270 milhões de euros, enquanto a criação e operação de centros europeus de inovação digital foi alocada em cerca de 330 milhões de euros.

Parece ser a cada dia mais indiscutível de que as maiores empresas de tecnologia, se constituem nos novos barões, sua força em desenhar o mundo nos termos e de acordo com a conveniência dessas empresas parece ser irrefreável, logo cabe aos governos tentarem colocar o mínimo de limite possível a essas empresas que a cada dia tudo tocam.

No momento que o universo regulatório de quem tem capacidade impositiva aumenta essas empresas organizam melhor o seu lobby.

Lembro que a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou recentemente o relatório final da CPI que investigou as empresas gigantes de tecnologia. O voto foi dividido, 24 democratas pelo sim, 17 republicanos pelo não. Os dois grupos querem legislação que controle as big techs, a diferença é que o mundo enxergado por uns e o visto pelos outros é muito distinto, em que pese que ambos entendam que as big techs tem práticas monopolistas.

Nesse instante o plano é promover uma lei ainda mais ampla do que a que entrou em vigor na Austrália. Lá, Facebook e Google se tornaram obrigados a compartilhar mais do que lucram com publicidade digital em função do que a imprensa produz. Nos EUA, a lei valerá para toda sorte de jornalismo, local e nacional, pequeno ou grande, rádio, televisão, impressos e digital puro.

Como já adiantamos em outro artigo, não é a única lei. Outra, esta proposta apenas pela senadora democrata, quer dificultar a aquisição de novas empresas pelas gigantes. Tanto os departamentos antitruste vão ser ampliados, ganhando mais técnicos e advogados para avaliar casos, quanto as regras que permitem bloquear a compra de startups vão ser afrouxadas.

Nesse momento, o sistema internacional de tributação, é defasado e há décadas não agrada a ninguém, exceto os acionistas das multinacionais e os países com baixas taxas de tributação.

É fato que a composição atual de tratados internacionais foi construída com base no comércio de bens físicos, com o propósito de se evitar a dupla tributação, logo as empresas tipicamente recolhem tributos na sua sede e os importadores arcam com as tarifas de importação.

A OCDE estima que a média dos tributos corporativos nas economias avançadas caiu de 32% em 2000 para 23% em 2018. As Big Techs pagam em média 16%, são número que dão a dimensão entre a difícil e injusta concorrência.

Adianto que a proposta de Biden está em consonância com os pilares da OCDE, pois ela oferece aos demais países a possibilidade de tributar suas empresas de tecnologia. Em contrapartida, amplia o escopo do pacote da OCDE para outras multinacionais (não só as de tecnologia), o que lhes permitirá tributar produtos europeus, desde carros alemães a artigos de luxo franceses. Destaco que a proposta foi bem recebida pelas autoridades europeias.

Os números que apontam a concentração do mercado pelas Big Techs, coloca essas empresas na posição de novos barões da economia mundial e logo, os diretores executivos de Amazon, Facebook, Google e Apple foram convocados perante uma comissão parlamentar de combate ao trust nos EUA, no ano passado, para responder quanto ao seu poder excessivo e de que maneira isso prejudica o consumidor.

Em que pese o cuidado que as lideranças de tecnologia, presentes na audiência via videoconferência, tiveram com as perguntas que os definiram como “barões cibernéticos”, dizendo que enfrentam bastante concorrência e alegando que os consumidores têm alternativas para os serviços que suas empresas oferecem. Fico tentando imaginar qual o substituto você tem para o Facebook e para o Google, que tenham alguma relevância. Para que tenhamos a exata medida da sua importância, faça um teste e tente bloquear os serviços das Big techs e suas controladas por apenas um mês. Faça o bloqueio da Amazon, Facebook, Google, Apple e Microsoft ao longo de 30 dias.

E o que essas empresas produzem? O que fabricam em suas próprias fábricas que não seja terceirizado, ficando encarregada “apenas” pelo conhecimento, o valor principal, o ativo intangível.

Os dados, leia-se a informação organizada e utilizada de forma inteligente, são o “novo petróleo” e isso representa uma enorme reviravolta do mercado global, tornando essas empresas os novos barões.

A mudança do capitalismo, com essa concentração de negócios e de dados representa um desafio para o Direito Regulatório, evitar e estabelecer limites ao exercício dessa concentração é uma obrigação.

O Intangível é o senhor da nova economia, pois, de meados do século 20 para cá, o capitalismo passa por uma estonteante mutação. As mercadorias corpóreas (coisas úteis) ficaram em segundo plano, enquanto a fabricação industrial de signos assumiu o centro da geração de valor. Nesse momento o capital trabalha para o desejo, não mais para a necessidade, e as informações criam e modulam os desejos, fabricando e ajustando demandas.

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