BIG TECHS, AMOR E ESCRAVIDÃO

As relações humanas estão cada vez mais flexíveis, inseguras e os relacionamentos mais curtos.

Indubitavelmente as novas tecnologias têm exercido grande influência na sociedade contemporânea, visto que seu uso mais intenso faz com que incorporemos novos hábitos e na maioria das vezes criam uma nova cultura de relacionamento com os mais próximos e com os não tão próximos.

O fato das novas tecnologias facilitarem as comunicações entre as pessoas, tornando-as mais céleres, praticamente eliminando fronteiras, não pode ser aceita com total euforia, pois como tudo essa dinâmica trouxe significativas mudanças comportamentais, afinal, ao mesmo tempo em que aproxima, as ferramentas tecnológicas deixam as pessoas mais distantes uma das outras, deixam o contato cada vez mais virtual e as relações interpessoais cada vez mais vazias, frias, e principalmente superficiais, onde pensamos saber tudo de todos e quase nada de ninguém.

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ao estudar a influência que as tecnologias (internet, aparelhos celulares) exercem sobre as pessoas e como auxiliam na configuração do que denomina de relações virtuais, visto que as relações humanas estão cada vez mais flexíveis, inseguras, os relacionamentos (“em rede”) são cada vez mais efêmeros, de curta duração, e muitas vezes não ultrapassam o contato por meio da máquina eletrônica, as pessoas escondem-se atrás das máquinas e valem-se do ambiente virtual, e é nesse esconder-se que mora o perigo.

É inegável que a proximidade virtual ostenta características que, no líquido mundo moderno, podem ser vistas, com boa razão, como vantajosas, porém, ao mesmo tempo o ambiente virtual causa a impressão de uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar o terreno doméstico comum. (Bauman, 2004, p. 39-40). É preciso, portanto, ficar atento às consequências e repercussões das atitudes dos usuários no Ciberespaço, pois é um meio que facilita a propagação rápida e a violação de direitos de terceiros. Contudo, é igualmente importante analisar as consequências éticas oriundas da predominância da comunicação humana em um ambiente tecnológico (em detrimento do ambiente físico).

Surgem novas formas com o ciberespaço

Com a Internet, as técnicas de poder foram alteradas. A citada “ausência de fronteiras” é uma situação que repercute nas relações de dominação entre os indivíduos, pois os grupos que conseguem se adaptar rapidamente as mudanças e exigências da sociedade podem exercer o controle sobre a grande parcela das pessoas, e os algoritmos em pleno uso nos últimos anos funcionam como catalisadores na ampliação desse domínio, o que só faz aumentar a responsabilidades das grandes plataformas digitais, as Big Techs.

Para Bauman, quando fala da fluidez da modernidade (em constante alteração da sua forma), a maioria acomodada, sem iniciativa, é dominada por uma elite em constante aprendizado e sem limites territoriais, o que se percebe com o total domínio das bigtechs, onde as plataformas digitais tudo ou quase tudo podem ou fazem.

Hoje tem acesso ao poder aquele que se adapta de forma paulatina às mudanças sociais, ao novo. Esse domínio decorre do controle do fluxo de dados e do registro inteligente desses dados. Logo, o deslocamento e o acesso a dados, à informação, são quase instantâneos. Isso faz com que as relações de dominação tenham relação com a capacidade de desprendimento das pessoas com as coisas do passado/presente e a de movimentar-se de forma rápida e de adaptar-se em um novo lugar. E nesse contexto, é possível asseverar que no ciberespaço surgem novas formas de inter-relação entre as pessoas e a maneira as mais variadas situações são tratadas. É possível falar em uma nova ética, a qual vai atingir nas liberdades dos indivíduos e influenciar as relações sociais no meio virtual.

Precipuamente a internet decorre da influência das novas tecnologias no meio social, ela não está expressamente prevista na Constituição Federal, mas o art. 222, §3º, da CF trata acerca dos “meios de comunicação social eletrônica”. Trata-se de ferramenta que tem mudado comportamentos, gerado novas atitudes e sentimentos; identifica-se uma nova linguagem e novos parâmetros para a construção das relações interpessoais; surgem novos valores ou estes incorporam novas significações, onde o curtir adquire os sentidos que o intérprete desejar ainda que esteja longe da verdade.

Logo cresce a importância das plataformas se empenharem em aplicar regras de moderação, o que já ocorre nos países desenvolvidos. Um levantamento feito pelo professor Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da PUC-RIO, mostrou que o Youtube removeu só 4,4% dos vídeos com desinformação sobre o sistema eleitoral, algo muito distante do compromisso assumidos em março, quando havia anunciado uma nova política para a redução da disseminação de informações enganosas sobre as eleições.

Nossa posição periférica nos relega ao segundo plano no compliance informacional dessas plataformas em que peses nossos 210 milhões de consumidores diretos ou indiretos dos seus produtos e serviços.

Segundo uma reportagem do Financial Times, as Big Techs estão próximas de assinar uma versão atualizada do Código de Antidesinformação, obrigando-se a revelar o modo como estão removendo, bloqueando ou desestimulando a disseminação de conteúdo danoso. Elas terão de desenvolver ferramentas e parcerias com checadores de fatos, que podem levar à retirada de propaganda política e à inclusão de “indicadores de confiança” de informações verificadas independentemente sobre temas, enquanto isso aqui elas apenas engatinham, criando uma distância gigante entre o discurso e a prática para tristeza dos milhões de brasileiros vítimas da proliferação maldosa de inverdades.

E assim por muitos subterfúgios, covardes se escondem na propagação de mentiras que maculam vidas e que constroem uma sociedade que parece amar mentiras.

(Artigo publicado no site www.mistobrasilia.com, em 30 de Junho de 2022).

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