Siri, Unicórnios Existem? Ouvindo essa pergunta de uma criança de seis anos entendi que era necessário esse artigo, afinal, passando a cada dia mais horas com assistentes virtuais, nossas crianças podem transformar esses aparelhos ou softwares, dotados de inteligência artificial em seus melhores amigos?
Bem antes de me apressar na resposta queria traçar aqui algumas ponderações, afinal, a maioria das legislações dos países consideram fundamental a presença de um maior de idade ao lado de nossas crianças enquanto elas acessam seus dispositivos.
Recentemente a “New York Magazine” publicou um artigo que relembra a importância da proteção de dados de crianças na publicidade e na atual utilização de brinquedos e gadgets conectados o tempo todo, uma luta nada fácil diante dos gigantes de tecnologia e suas inúmeras estratégias e recursos para prender a atenção dos nossos filhos.
Os assistentes virtuais estão tomando nossas casas, no primeiro passo para a interligação através da Internet da Coisas, na inclusão desses dispositivos em suas rotinas diárias. Logo, a relação das crianças com a Alexa, Siri e seus concorrentes vem se ampliando também. Muitos são os especialistas que dizem que as crianças precisam tratar esses assistentes virtuais de “forma educada”, como se fossem seres vivos, a linha oposta de pensamento não concorda com essa “humanização” das máquinas. No meio disso alguém está colhendo todos esses dados.
Mas esses avanços podem ajudar muito mais nossas crianças, do que simplesmente colher hábitos e preferência, registrando assim todos os seus dados mais íntimos, como as distinções de quando estão alegres ou tristes pela voz?
A chamada geração Alpha, composta por crianças de até 9 anos, já nasceram em um mundo conectado e interagem naturalmente com assistentes de voz, porém, isso não quer dizer que elas acreditem cegamente nas respostas que recebem.
Pesquisas revelam que as crianças não só não confiam nos assistentes de voz, como também tentam testar as informações fornecidas por eles.
Com a crescente popularização das interfaces de voz, como a Alexa, da Amazon, a Siri, da Apple, e o Assistant, do Google, representa uma oportunidade para as crianças, que ainda não são leitores fluentes, pesquisarem de forma independente na internet.
Recentemente a pesquisadora Judith Danovitch, da Universidade de Louisville, nos EUA, percebeu que seu filho de quatro anos fazia perguntas para a assistente de voz da família do tipo “qual é meu nome?” e “qual é a cor da roupa que estou vestindo?”. De acordo com a pesquisadora, que realiza estudos de confiança com crianças, ele estava testando os limites do conhecimento da Siri.
Em artigo publicado no The New York Times, a pesquisadora explica que esse tipo de comportamento sugere que as crianças não têm certeza se as novas tecnologias podem responder às suas perguntas e, às vezes, podem ser totalmente céticas em relação às respostas que recebem, segundo entrevista publicada na Revista Consumidor.
A pesquisa de Judith Danovitch também identificou que as crianças tendem a confiar mais nas respostas de humanos do que nas dadas pelos assistentes de voz, resultado da vagueza das repostas dadas por esses assistentes.
Segundo a reportagem, Danovitch e sua equipe reuniram crianças de 5 a 8 anos e perguntaram “quanto dias Marte leva para dar uma volta ao redor do sol?“. Os pesquisadores mostraram duas respostas diferentes para os jovens: a internet disse 600 dias e sua professora disse 700 dias. As crianças, em sua ampla maioria, confiaram mais na resposta da professora. Esse comportamento faz sentido porque os pequenos conhecem a professora e já desenvolveram um forte relacionamento pessoal com ela.
No entanto, a pesquisadora explica que as crianças têm o mesmo comportamento quando devem escolher respostas de assistentes de voz ou de colegas de classe, o que mostra que o fator “autoridade” da professora não faz diferença.
Essa é uma geração que nasce sobre o mito dos nativos digitais e os seus problemas decorrentes dele na educação e em outros campos.
Esse mito que faz crer que novos tempos tornam nossos filhos iluminados, ainda que privilegiados pelo acesso. Porém, podemos estar diante de um grave erro, ao pensarmos que nossos filhos estão de alguma forma mais preparados para a tecnologia porque nasceram em uma época em que essa tecnologia é uma parte regular de seu ambiente.
E assim essa onipresença faz com que não pareça um elemento estranho, mas de forma alguma os prepara para uso, logo, acreditar que eles serão mais hábeis e mais fáceis simplesmente porque nasceram em um determinado ano, implica não entender os mecanismos da evolução das espécies.
É bom lembrar que não, nossos filhos não são resultantes de modificações genéticas que melhor os prepararam para o uso da tecnologia. Se você acha que eles são muito habilidosos, isso se deve principalmente a três características: 1) Eles não veem os dispositivos como um elemento estranho porque eles vivem cercados por eles. 2) Esses dispositivos são muito bem fabricados e programados, e seu uso é cada vez mais intuitivo para qualquer pessoa, especialmente se você não precisa “desaprender” em relação às tecnologias anteriores. 3) É muito provável que você se acha tão desajeitado em lidar com isso, que qualquer coisa que seus filhos fazem com um dispositivo parece qualificá-los um pouco menos do que ser selecionado pela NASA ou o MIT.
Ainda que seja tentador e confortável para o nosso ego pensar que nossos filhos são talentosos tecnológicos e quase poderiam se formar como engenheiros de foguetes, não é. O problema com o mito dos nativos digitais é que ele é extremamente confortável para nós, por um lado nos faz sentir bem porque qualquer pai adora sentir que seus filhos são maravilhosos e muito inteligentes, mas entregá-los aos seus dispositivos não substitui a boa e velha educação, com todas as suas atualizações.
É preciso sim o bom necessário filtro parental, pois educar uma criança não é dar-lhe um computador e deixá-lo aprender a usá-lo sem supervisão, por ele ser um “nativo digital”. Educar uma criança é outra coisa e tem pouco a ver com tecnologia ou instalar um maldito filtro parental, é uma atitude.
Usar dispositivos como desligamento infantil ou como babá é uma completa irresponsabilidade, mas o pior ainda é considerar a “tecnologia perigosa” e tentar mantê-los longe dela, isso é profundamente irresponsável e absurdo. Nossa compreensão da tecnologia tem que começar pensando que ela é um elemento permanente da nossa sociedade atual e futura e que o que temos a ver com ela é aceitá-la e preparar nossos filhos para ela.
A primeira regra básica é entender que o maior risco de tecnologia para nossos filhos é ficar longe dela, a partir daí vamos pensar que a tecnologia, como qualquer outro ambiente, requer acompanhamento responsável, dedicação de tempo e recursos, didática e uma série de regras.
Quando foram criados eles tinham uma definição confusa, assistentes domésticos, assistentes virtuais ou alto-falantes inteligentes (lentamente evoluiu para assistentes virtuais).
Primeiramente apresentado pela Apple, que lançou sua Siri em outubro de 2011, seguida pelo Google, que lançou seu Google Now em julho de 2012 que depois evoluiu para o Google Assistente, e a Amazon, que lançou sua Alexa em novembro de 2014.
Esses tipos de dispositivos são na verdade, a combinação de hardware sofisticado composto por sensores, alto-falantes e microfones projetados para fornecer reconhecimento de som e voz de qualidade de qualquer lugar da sala e com sistemas de cancelamento para ser capaz de reconhecer um comando mesmo que a música esteja tocando, com um assistente virtual desenvolvido de forma independente e que de fato, pode ser associado a outros dispositivos.
Todos os dispositivos que registram tudo na sua casa, voz, tom, pesquisas e seus interesses, tudo armazenado na nuvem, em algum lugar do mundo, pois ao aceitar seu uso você abriu mão da sua privacidade em favor da experiência com esses dispositivos.
Eles são gentis, amáveis, e por isso seus filhos o adoram, mas não são seus pais e nem serão seus melhores amigos, são apenas dispositivos digitais dotados de inteligência artificial que aprendem probabilisticamente com a experiência, no chamado aprendizado de máquina.
Cabe a você educar e estabelecer para os seus filhos os padrões e valores, no mais eles podem sim ser bons assistentes, desde que respeitem as normas na guarda dos nossos dados.
Até lá são os pais que ensinam os valores de amizade, carinho e respeito, terceirizar isso é caminhar por uma estrada com resultado duvidoso.
Um Feliz Dia das Crianças.