Se tem algo que pode ser dito do universo dos jogos, é que seus números não são brincadeira, afinal um recente estudo mostra que são 2,7 bilhões de pessoas que jogam algum jogo digital, um mercado global de US$ 300 bilhões por ano.
Apenas o Pokémon, que completa 25 anos nesse ano, em oito gerações vendeu 360 milhões de unidades. Quando se consideramos todas as fontes do negócio, que vão desde games a cartas e vídeos, Pokémon fica em primeiro, com receita global de US$ 92 bilhões.
Esses números podem bem dar a dimensão da importância da batalha jurídica entre Epic Games e a Apple, que dão as tintas do peso das plataformas na distribuição de aplicativos, e a força que um canal de vendas concentrado em poucos pode acarretar para todo o mercado de desenvolvedores.
É muito provável que leve ainda alguns meses para que possamos ouvir a decisão do caso Epic Games x Apple, pois as alegações terminaram na última segunda feira, e embora tudo pareça apontar para uma vitória da Apple o caso, certamente ainda terá inúmeras implicações, que vão interferir na gestão da App Store, implicando em um ganho para os desenvolvedores, o que nos leva a conclusão de que a Apple pode vencer a batalha, mas certamente vai perder a guerra.
Bom lembrar que o caso, também tem seu derivado europeu e que também conseguiu alinhar algumas outras empresas, dando outras cores e peso ao caso, como se já não bastasse essas duas gigantes, que também se sentiram lesadas pela política comercial da Apple Store.
Tudo tem elevadas dimensões quando falamos da Apple, que desde o seu fundador sempre costumou gerar opiniões das mais diversas e polêmicas. Logo nesse momento o que importa para esse processo é a forma como a Apple gerencia sua loja de aplicativos, o que aos olhos da Epic Games é considerada abusiva.
Em resposta a Apple, também processou a Epic por quebra de contrato, é que o ecossistema que criou gerou enorme valor para muitos desenvolvedores em todo o mundo, e esse ecossistema funciona porque mantém regras muito claras que a Apple monitora e controla constantemente com punho de ferro, algo para o qual precisa dedicar inúmeros recursos, logo se trata de uma operação dispendiosa.
O fato e é que enquanto as pequenas empresas geralmente tendem a considerar a loja de aplicativos para levar seus aplicativos aos usuários, algumas dessas empresas, quando conseguem muito sucesso e crescem, tendem a se tornar visivelmente mais críticas, especialmente quando se trata das comissões que a Apple exige.
Já outras empresas, como a muito bem sucedida Roblox, que estima essas comissões para a Apple, Google e fabricantes de consoles em 24,9% de seu volume de negócios, aceitam essas taxas como o custo de fazer negócios nessas plataformas, simplesmente repassando esse custo para o consumidor final.
Reside justamente nesses valores o motivo que fez a Epic, querer desenvolver sua forma de pagamento fora das lojas da Apple, o que em termos contratuais, dentro da política da Apple Store, é terminantemente proibido, levando a Epic a expulsão.
Ë claro que a empresa estava bem ciente de que estava violando essas regras e que seria expulsa, como evidenciado pelo fato de ter preparado perfeitamente a reclamação para arquivá-la no dia seguinte e até mesmo uma paródia em vídeo sobre o assunto.
Levando muitos a entenderem que as plataformas seriam utilizadas como o primeiro estágio do foguete, ou seja útil na partida e desnecessário quando no espaço, e assim já grande e conhecido eu quebro as regras do contrato, para assim melhorar minhas margens.
Mas afinal se você conhecia a estrutura da comissão, o que ficou claro desde o início, por que decidiu seguir essas regras? Faz sentido, vários anos depois e quando você já conseguiu, ficar chocado, levar o caso ao tribunal?
A Apple age como um monopólio? É difícil argumentar que alguém exerce um monopólio quando sua posição de mercado está quase em todo o mundo bem abaixo da porcentagem que seria necessária para ser considerada dominante. Exceto em dois ou três países onde poderia se aproximar de 50%, a participação de mercado da Apple neste segmento é muito menor do que a de outras marcas, o que permitiria argumentar que um desenvolvedor que não está confortável com suas políticas poderia perfeitamente manter seus negócios fora da empresa, simplesmente oferecendo seus aplicativos no Android, em consoles ou pela web.
Gostemos ou não a Apple é uma empresa baseada em um forte controle da experiência do usuário, o que leva seus dispositivos a terem muitas limitações, pouco simpáticas ao usuário, porém isso não significa nada mais do que um “se você não gosta, você tem outras opções”, não um suposto direito de entrar, quebrar as regras e processar a empresa por tê-las.
A grande questão é, de fato, onde o valor é trazido. Para muitos usuários, o valor que eles encontram em uma plataforma gerenciada pela Apple é precisamente esse controle, o que lhes dá problemas que vão desde maior segurança até maior privacidade, em comparação com outros ecossistemas com regras menos exigentes. Para muitos desenvolvedores, o valor está em regras que favorecem a monetização de seus aplicativos. O que é impossível negar é que a App Store tem gerado enorme valor desde o seu início, que esse valor foi distribuído entre milhões de desenvolvedores, e que o fez sob essas regras que agora, algumas privilegiadas com posições de alta visibilidade alcançadas em parte graças à Apple tentam questionar. No fundo, uma simples questão de dinheiro: aquela que você está disposto a pagar quando você é jovem para acessar o paraíso, mas aquele que você tenta não continuar pagando quando você já se senta nele.
Por outro lado, o caso é enquadrado em um momento em que a pressão sobre a big tech aumentou não só na Europa, que sempre foi identificada com uma maior regulação, mas também nos Estados Unidos e até mesmo na China ou na Rússia, o que poderia contribuir para um estado de opinião que também influenciou o resultado final.
Na Europa, desde 2015 a Apple é acusada de buscar monopólio em serviço de música, e por isso os reguladores da União Europeia (EU), questionam regras restritivas da loja de aplicativos App Store, entendendo que essas regras de comércio distorcem a concorrência no mercado de streaming de música, lá as autoridades ficaram do lado do Spotify em um caso que pode levar a uma alta multa e também a mudanças nas práticas comerciais lucrativas da fabricante do iphone.
A Apple se viu na mira da Comissão Europeia após o Spotify reclamar há dois anos que a gigante da tecnologia dos EUA restringiu injustamente os rivais de seu próprio serviço de streaming de música, a Apple Music., qualquer semelhança não será mera coincidência.
A Apple rejeitou a acusação da UE. “O Spotify se tornou o maior serviço de assinatura de música do mundo, e estamos orgulhosos do papel que desempenhamos nisso”, disse a empresa em comunicado. “Eles querem todos os benefícios da App Store, mas não acham que devem pagar nada por isso”.
No processo contra a Epic, a Apple quer refutar a afirmação de que a App Store se enquadra na definição de “essential facility”. Esse tipo de classificação afirma que um “controlador de um bem essencial para o desempenho de uma atividade econômica impede outros concorrentes de utilizarem o bem essencial ou impõe condições onerosas e discriminatórias para a sua utilização, sem que hajam razões legais, técnicas ou comerciais para isso”.
A Apple, segue sendo favorita para vencer esse processo, e para piorar a situação da Epic, nenhuma prova em apoio a essa acusação foi apresentada por eles. Inclusive, o Dr. David Evans, principal especialista da Epic, negou qualquer opinião sobre instalações essenciais (em resposta a uma pergunta direta do tribunal) e rejeitou a ideia de que o iOS deve ser tratado como um serviço de utilidade pública.
Além disso, a Apple afirmou que mesmo que o juiz considere o iOS e a App Store como essas instalações essenciais, a Epic possui acesso a ambos, o que reduz ainda mais os argumentos da desenvolvedora.
Mesmo que a moção, exija que o tribunal isente a Apple dessa acusação em específico, existem ainda outras novas acusações feitas pela Apple, o que significa que esse processo ainda vai longe, e vai seguir dando novas cores ao papel comercial na intermediação de aplicativos.
Serão elas foguetes de lançamento ou ancoras que acompanham os navios por todos os oceanos?