Essa provocação decorre de algo cada vez mais comum em que artigos de inúmeras publicações, antes ilustradas por artistas estão utilizando de acordo com o tema, novas ilustrações geradas por algoritmos como o DALL E, ou Midjourney entre outros, uma tendência no mínimo curiosa.
Obter uma ilustração de um desses algoritmos é tão simples quanto escrever uma frase: na que acompanha este artigo, basta “um robô pintando um quadro de um pôr do sol”, que se você quiser pode acompanhar com atributos ou detalhes adicionais, e automaticamente, o algoritmo gera quatro propostas para escolher e permite que você baixe e use o que você escolher. Que mundo é esse?
Logo vamos pensar, quem seria o dono da imagem criada? Você? Os criadores do software? Porém considerando que essa ferramenta é alimentada por um enorme banco de dados de ilustrações em que busca “entender” o que você está pedindo, a cadeia geradora se torna mais complexa. Por outro lado, se o algoritmo é abastecido com imagens previamente criadas por ilustradores humanos, esse processo é sustentável ao longo do tempo? Será que poderemos chamar isso de revolução criativa onde qualquer um pode criar? Isso é criação?
No final, a questão é entender que um trabalho, o do ilustrador, já geralmente mal pago e reduzido, em muitos casos, para cobrar alguns royalties de imagens que você incluiu em bancos de dados, muitos deles gratuitos, em que os usuários buscam encontrar o que querem, acontece para reduzir ainda mais suas oportunidades quando encontram uma competição inesperada: Algoritmos. Mais uma ocupação humana, cujo desaparecimento está sendo acelerado pela transformação digital, ou você já imaginava que artistas ilustradores poderiam ser substituídos por robôs?
Para onde estamos indo? A resposta é muito simples: o número de ocupações que um algoritmo, robô ou similar é capaz de fazer crescerá rapidamente à medida que a tecnologia usada melhora. Isso nos leva às reações: o que diabos você deve fazer quando vê que uma máquina faz o trabalho que lhe permite gerar renda, e em alguns casos, faz melhor do que você? Definitivamente, atacar as máquinas, no melhor estilo Ludista, não parece uma boa opção.
Me parece que o significado do trabalho é uma das questões que mais evoluirão no futuro. E muitas, muitas coisas dependem disso. A velocidade com que a tecnologia da informação progride também enfrenta e vence novas barreiras, por maior que seja a resistência, ela vem pela lógica, muitas vezes perversa, ultrapassando e redefinindo setores do mercado.
Como lembra o professor Martin Pino, em seu livro “O Fim dos Empregos Pela Inteligência Artificial e a Robótica”: “a promessa de um crescimento exponencial gera a possibilidade de criarmos imagens digitais e realidade virtual que tornarão a experiência on line tão real quanto a vida, ou talvez melhor ainda. Na verdade, os próximos momentos de nossa evolução tecnológica prometem transformar diversos conceitos populares de ficção científica em fatos: carros sem motorista, movimentos robóticos controlados pelo pensamento, inteligência artificial (IA) e sistemas completamente integrados de realidade aumentada que oferecem a possibilidade de sobreposição visual de informação digital em nosso ambiente físico. Tais desenvolvimentos vão incorporar e aprimorar o mundo natural das pessoas. As tecnologias da informação e comunicação continuarão a transformar as instituições por dentro e por fora. Cada vez mais se alcançarão pessoas cada vez mais distantes e até diferentes grupos linguísticos, compartilhando ideias, fazendo negócios e construindo relacionamentos. A cada dia, a maioria das pessoas vai viver e trabalhar em dois mundos ao mesmo tempo e ser regida por eles.”
E logo somos levados ao enfrentamento de novos paradigmas, afinal, humanos e máquinas juntos através da IA criando arte, pode isso ser chamado de arte?
Para nos aprofundarmos mais nesse assunto vamos utilizar a SuperRare, que é um marketplace de obras de arte digitais usando Ether (uma criptomoeda) da rede Ethereum, a segunda mais utilizada entre as criptomoedas.
São mais de 8.000 obras de aproximadamente 180 países que foram negociadas na plataforma, com valores que superam US$ 1 milhão, ou seja, cerca de R$ 5,6 milhões. Ao navegar pelo site é possível encontrar exemplos de obras vendidas por milhares de dólares, um número que só aumenta.
O que muitos perguntam é:”Seria este o gif animado mais caro de todos os tempos?” Exatamente isso, um dinheiro virtual com uma obra de arte que não existe fisicamente, um nude que não é nude de alguém que nem mesmo existe. Isso certamente faz muita gente torcer o nariz, não sem razão eu creio.
Porém para estes, vale lembrar que empresas como a Epic Games faturam bilhões vendendo artigos digitais para jogos. Em 2018 a empresa faturou US$ 2,4 bilhões com roupas e apetrechos para personagens do jogo Fortnite. Roupinha digital, dinheiro virtual, receita bem real, produzindo aquilo que muitos entendem como não arte.
Ou seja, se paga e se adquire em leilão, itens virtuais criados por programadores e artistas, e a pergunta é, isso é arte?
Aparentemente as primeiras experimentações de arte com IA ocorreram com o software do Google DeepDream, em 2015, mas os resultados foram obras estética e conceitualmente limitadas não atraindo a atenção da crítica nem do público. O leilão da Chistie’s estimulou novas experimentações, inseridas num movimento artístico batizado pelo Obvious de “GAN-ism”, e muita polêmica. Vários artistas, utilizadores da inteligência artificial, contestam a originalidade não apenas dessa obra, mas de todo o trabalho do Obvious, referindo-se ao coletivo mais como profissionais de marketing do que propriamente artistas.
O Projeto Magenta do Google Brain realiza experimentos com a criatividade gerada artificialmente. Uma equipe de pesquisadores trabalha com algoritmos que produzem música, material em vídeo e arte visual. Aplicativos são publicados na plataforma open source de nome TensorFlow, de forma que outros artistas e profissionais criativos possam dar sequência ao desenvolvimento.
A tecnologia muda também o processo de produção, a arte digital deixou há muito de ser um trabalho solitário, os artistas cooperam com frequência com desenvolvedores, mas robôs e softwares também podem fazer parte das equipes. Na série Sculpture Factory, de Quayola, robôs industriais criam esculturas inspiradas em Michelangelo, isso acontece ao vivo, in loco, em uma galeria de arte, ou seja, a gênese da obra torna-se, assim, parte da ação artística.
Quem disse que a arte e robótica não têm nada em comum? Logo, robôs podem ser artistas? De quem seriam os direitos autorais de uma obra que ao estudar Picasso consegue reproduzir os traços do gênio em uma nova criação?
A inspiração seria cópia?
Aparentemente a inteligência artificial é, ao mesmo tempo, ferramenta e por certo concorrência para os profissionais de áreas criativas. Se não bastasse, a transformação digital fornece temas para a arte crítica, com avatares e todo tipo de novos desenhos gráficos, que são a cada dia mais produzidos por programas.
Na arte assim como em diversos campos, os algoritmos estão cada vez mais presentes em diversos setores da vida, eles calculam quem é digno de receber um empréstimo, automatizam a guerra, detectam prematuramente enfermidades ou editam sozinhos, como o software Watsin da IBM, os trailers de filmes de terror. E estão agitando o universo da arte, a inteligência artificial modifica perspectivas e processos criativos, chegando a transformar robôs e softwares em artistas. No processo chamado de deep learning, o software de inteligência artificial reconhece padrões, de maneira semelhante ao que faz o cérebro humano, e aprende com cada experiência de maneira autônoma, podendo, assim, tomar decisões automatizadas com uma frequência cada vez maior.
Sabemos que o Direito do Autor compreende prerrogativas morais e patrimoniais, aquelas referentes ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. A Lei nº 9.610/98, tem como finalidade proteger as obras literárias, artísticas e científicas, impedindo desta forma, que terceiros se utilizem indevidamente das obras protegidas. Assim sendo, um software que cria um padrão artístico estaria dentro dessa definição?
Nos socorremos da WIPO, que define direito de autor como sendo “a proteção da criação da mente humana”. Assim, é importante salientar que o direito autoral protege as obras e logo, elas precisam de meio físico, o que poderia ser uma tela e ou no caso um programa de computador com seu código registrado?
O direito entende que todos aqueles que tiverem o seu nome agregado a uma obra serão legalmente considerados co-autores, logo, um algoritmo construído pelo coletivo estaria assim enquadrado?
Seria o caso das GANS, que foram introduzidas em 2014 por pesquisadores da Universidade de Montreal, e que são arquiteturas de redes neurais (deep learning) compostas por duas redes uma contra a outra, daí “adversária”, treinadas para criar mundos semelhantes em qualquer domínio (música, imagens, textos).
Obras coletivas com a participação de diversos artistas do mundo todo, separados por um oceano são a cada dia mais comuns e, como são programas abertos, fica a dúvida: Quem é o autor do que?