Nos últimos dias o país foi tomado por uma discussão bastante curiosa: Pode a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, produzir dossiês sobre a posição política dos servidores públicos?
Bem, primeiro isso nos remete ao ponto de partida, a Agência Brasileira de Inteligência foi criada pela Lei nº 9.883 no ano de 1999, portanto, dentro do regime democrático. Criamos uma Agência Brasileira de Inteligência que faz parte de um órgão da Presidência da República, diretamente vinculado ao gabinete da Presidência da República, logo, ela é uma instituição central do Sistema Brasileiro de Inteligência, o famoso SIS. Bem, ainda que se trate de uma atividade fundamental para o Estado, a Constituição em nenhum momento fez menção à ABIN, isso evidentemente decorre do instante em que a Assembleia Constituinte de 1988 foi feita e portanto, no período democrático pós ditadura e a mera menção de qualquer órgão de inteligência remetia ao órgão que la atrás serviram e muito aos poderes limitadores de direitos das pessoas.
Não é uma coincidência, visto que no instante em que a ABIN produza um relatório sobre a posição política dos servidores, causa estranheza e no mínimo perplexidade, afinal, o que interessa à inteligência e a estratégia do país, um dossiê que apura a posição política dos servidores?
O direito à filiação é um direito previsto na Constituição, qualquer servidor pode ser inclusive o seu Presidente para ser candidato tem que se filiar a um partido, logo, esse dossiê vai na contramão do direito constitucional garantido a todo e qualquer cidadão, inclusive a servidores.
Na ação, que teve como relatora a ministra Cármen Lúcia, a ministra destaca que não compete a ninguém fazer dossiê, o Estado quando faz dossiê não faz um ato de bisbilhotice, porque os servidores atuam por ato administrativo provocado, motivado, mas acima de tudo, por uma atividade que esteja prevista em lei.
Em nenhum momento na lei 9883 que regulamenta a ABIN, há previsão de se fazer dossiês com relação à posição política dos servidores, isso evidentemente gera um tom de construir um instrumento de perseguição. Afinal, de posse desse dossiê, com a posição política de cada servidor, como o chefe vai tratar esses servidores? Com preconceito, isolando, transferindo? Isso é incabível para os tempos atuais.
A ministra Cármen Lúcia, relatora da ação que contesta a elaboração de um dossiê sobre os servidores públicos, opositores ao governo Bolsonaro, que por se classificarem como antifascistas, votou na ação para suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça, que é o Ministério do país, não do do presidente.
Vale destacar que o Ministério da Justiça não está lá para servir ao presidente ou aos seus familiares, seus partidários, está Lá para servir a todos os cidadãos. Logo, a produção ou o compartilhamento de informação sobre cidadãos “antifascistas” não guarda relação nenhuma com o propósito da agência e nem do Ministério, ainda que o Procurador Geral da República, Augusto Aras, tenha defendido o direito do Executivo de colher informações. Mas que informações? Um relatório de inteligência não se confunde com investigação criminal, veja, gastar o dinheiro público para identificar quem é contrário à política do presidente é uma piada em tempos que precisamos de informações sim da nossa agência de inteligência, mas informações estratégicas.
O conceito de inteligência para o qual a agência tem que lidar está previsto no seu artigo primeiro:
“Entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental sobre salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.
Ora, quando o governo resolve investigar a posição política dos seus servidores, que se manifestam contra todo e qualquer ato que seja considerado como o fascismo, por isso se identificam como antifascistas, portanto, em defesa da democracia, fico preocupado em saber que governo é esse que faz dossiê contra os cidadãos que sejam favoráveis à democracia.
Não compete ao órgão estatal nem a particulares fazer dossiê contra quem quer que seja ou instalar procedimento de cunho inquisitorial, pois é isso que fazia a Inquisição, perseguia as pessoas por suas posições.
“O Estado não pode ser infrator”, disse a ministra Cármen Lúcia, o abuso da máquina estatal para a colheita de informações de servidores contrários ao governo caracteriza sim desvio de finalidade. Quem autorizou o dossiê? Essa é a pergunta que não quer calar. Quem paga por atos que tentam identificar opositores dentro do governo? A agência não é do governo, a agência é do Estado e não é e não pode ser uma posição político partidária, isso é simplesmente lamentável.