Qual a razão que nos faz entrar em uma rede social?
Encontrar amigos? Fazer novas relações? Divulgar um trabalho? Mostrar aos outros como estamos, ou como nos sentimos? Qual a nossa necessidade de estar em uma rede social?
Na lógica da economia de retenção da nossa atenção, o universo corporativo descobriu que podemos ter e fazer parte de diversas redes sociais, e cada qual com sua mensagem e público destinatário, das que valorizam fotos, a outras utilizadas para falarmos mais dos nossos avanços profissionais, bastou entender que o produto é a nossa atenção, que se converte em dados e que por sua vez se converte em mais atenção ainda no vicioso círculo da lógica da atenção, que pretende sugar nosso tempo, nossos dados e produzir como resultado mais desatenção, ao ponto de sabermos mais dos distantes do que dos nossos amados que estão bem próximos.
A loucura é tamanha que sabemos onde o nosso vizinho jantou na noite de sábado, quem ele encontrou, mas somos muitas vezes incapazes de saber o que nossos filhos fazem nesse exato momento em seus universos paralelos que chamamos de celular.
Se a informação é útil ou não, se é a mais pura verdade ou não, isso só importa se alguém reclamar ou se houver risco de uma demanda judicial.
De acordo com um estudo realizado pela entidade de saúde pública do Reino Unido, a maioria das pessoas apontou a rede social visual dos stories e reels como a que mais influencia no sentimento de ansiedade e solidão. De forma idêntica, em terras brasileiras, a Fundação Getúlio Vargas publicou estudo em 2019 mostrando que 41% dos jovens brasileiros responsabilizam as redes sociais por sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão.
As redes criam a ditadura da estética e logo nos comparamos com os outros e sofremos. Queremos ter a vida de Instagram, o emprego de LinkedIn e a casa de Pinterest, ainda que muito pouco daquilo seja real.
O engenheiro turco Orkut Büyükkökten, conhecido no Brasil como o criador do Orkut, criou em 2016 uma nova rede social a Hello, com o propósito de ser uma rede social para relações profundas.
Considerando que depois de seis anos a Hello não está nem entre as cinco redes sociais mais utilizadas podemos ter algumas conclusões: 1) A rede não atingiu o seu propósito. 2) As pessoas não estavam tão interessadas assim em relações mais profundas. 3) Um pouco de cada uma das alternativas acima.
O fato é que a rede que desde que foi criada a como uma rede para fazer e manter “amizades profundas” com outras pessoas com base em interesses e paixões mútuos e onde o “medo e o ódio não têm vez”, o aplicativo ainda não decolou, e nesse momento não fica nem entre as 17 redes sociais mais baixadas no mundo.
Para Orkut, em entrevista à BBC na época em que criou a sua nova rede: “Uma pessoa usa o Facebook pensando na forma como quer ser percebida publicamente, interage com os outros tentando passar uma certa imagem, mas isso não é autêntico nem divertido. Queremos mudar isso e ser a próxima geração das redes sociais.”
Na primeira versão da Hello, o usuário respondia a um questionário com 60 perguntas para identificar sua personalidade e depois elegia os cinco assuntos que mais lhe interessam.
Havia uma lista com cem possibilidades, que iam desde itens corriqueiros, como ser apaixonado por cães ou esportes, até outros mais incomuns, como gostar de nudismo, striptease ou “observar pessoas”.
Na última década surgiram diversas novas redes socias, e poucas conseguiram ameaçar a hegemonia do Grupo Meta e suas redes (Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger)
Seria uma fadiga das redes sociais ou uma acomodação diante do atual cenário, em que às redes líderes já dominam nossos hábitos?
Aparentemente as pessoas se inscrevem em diferentes serviços por diferentes motivos, e estar em tantas delas ao mesmo tempo acaba gerando um cansaço, ou seja desatenção, onde as pessoas nem sabem o que de fato estão curtindo e o fazem no hábito que chamo de protocolar.
As redes dentro da sua lógica de atenção dão vazão a tudo que possa ser multiplicado, gerando mais compartilhamentos, curtidas e comentários e assim toda tristeza e mágoa que é despejada nela se multiplica, todo delírio ganha adesões e é por isso que as Fake News nela se multiplicam.
Por isso a pergunta é sempre pertinente, até onde algoritmos que regram a lógica comercial das redes sociais podem de forma legal regrar nossas relações pessoais?
Onde o Direito pode nesse universo de magoados e ofendidos pode nos proteger dessa interferência malévola de algoritmos que desprezam estados de espíritos e mergulha a visão turva de tristes, magoados e ressentido num mar de lama em busca de plateia, na lógica comercial da atenção?
Os dicionários, conceituam a mágoa, como uma reação provocada assim que outra pessoa nos ofende, decepciona ou pratica qualquer ação indelicada.
Logo quando alguém fala “você me magoou” significa que há uma mistura de sentimentos em ebulição. Em geral, dá origem para a raiva, o rancor e uma tristeza crescente, alimentando uma grande decepção. Em outros sentidos, pode indicar também que uma pessoa inveja algo que outra possui.
Por vezes segundo a psicologia, “Ter a nossa confiança em alguém abalada é um golpe duro demais para ser aguentado quando não é esperado. Com isso, nos sentimos vulneráveis e sem qualquer apoio físico ou emocional para nos estabelecer. Isso acaba por dar origem à raiva. Por hora, nada pior que alguém que te machucou de forma tão profunda.”
É nessa confusão de sentimentos que repousa o diabo das redes sociais, aquele que ao invés de nos aconselhar a conversar com quem verdadeiramente nos ama, nos leva a acreditar que a audiência de colegas, conhecidos e muitos desconhecidos pode de alguma forma nos ajudar.
Por isso entre os sentimentos que eu mais tenho medo está a mágoa, esse momento de inquietação da alma.
Eu tenho sim medo da mágoa, que reduz nosso espírito a um amontoado de dissabores, levando na boca o gosto amargo do fel.
A mágoa é um bicho traiçoeiro, que nos corrói por dentro, se alimentando dos mais belos sentimentos que já nutrimos pelo outro.
Ela tem a capacidade mágica de apagar os nossos melhores momentos vividos e transformar eles em um vídeo lá no fundo do corredor, quase que inacessível.
A danada da mágoa tem nas redes sociais um público fiel, digno dos apaixonados das novelas mexicanas, afinal desgraça pouca é bobagem, e tolo de quem pensa que a mágoa tem solidários, nada disso ela tem é expectadores.
Por isso eu tenho medo da mágoa, daquela que quando percebemos já tomou conto do nosso corpo da nossa alma, e assim acordamos e vamos dormir com ele dolorido, sem saber a causa, pois ela é sorrateira.
Estar doente de mágoa é o que existe de pior, afinal a mágoa não aparece em nenhuma ressonância, não se identifica em um eletrocardiograma nem mesmo em exames de sangue, ou no batimento cardíaco elevado, nada disso ao contrário das paixões que elevam o nosso batimento a mágoa se instala sorrateira no nosso coração, matando-o lentamente.
Eu tenho medo da mágoa, seja ela pequena ou grande, pois não importa o tamanho dela, no fim a única coisa que ela faz é reduzir os nossos mais belos sentimentos, nos tornando a sombra daquilo que mais odiamos.
A mágoa de um desentendimento sim, de uma decepção sim, mas quantas conversas poderíamos ter com quem nos magoou e mostrar que o diálogo é a melhor ponte entre duas pessoas e a melhor estrada pra fazer a mágoa partir?
Eu nunca vi nada de bom brotar da tristeza e da mágoa e muito menos da solidariedade dos expectadores das redes sociais que assistem aos magoados e ofendidos.
Eu tenho medo da mágoa, daquela que eu provoquei, ainda que involuntariamente, e por isso sempre estou aberto a escutar o ofendido, ofertando a ponte pra eliminar esse pobre sentimento. Afinal em determinado momento, por qualquer motivo, podemos ser a razão da mágoa de alguém. Querendo ou não, acabamos por ferir uma pessoa e atingir profundamente seus sentimentos. Como causadores do problema, talvez não tenhamos a real noção do que fizemos a ela.
Abrir-se ao diálogo fora das redes sociais, é o primeiro passo para uma reparação, devemos olhar para nós mesmos e entender o motivo de fazermos isso. Redimir-se poupa o desnecessário sofrimento alheio.
Agora se você se sente ofendido, ou injustiçado pela mágoa de outro, não revide, muito menos nas redes sociais, pois isso é como se jogar gasolina em um resquício de chama de um grande incêndio. Claramente a chama ganhará mais intensidade e tamanho e continuará a queimar de forma descontrolada.
Não existe fogueira mais descontrolada do que a pobreza de espírito que por muitas vezes habita as redes sociais, e isso só vai perpetuar ainda mais a mágoa do ressentido, ampliando-a para os mais próximos do magoado. Infelizmente, algoritmos e grupos vão ajustando a nossa rede de forma cada vez mais homogênea, onde a mágoa atrai mais magoados e ressentidos, criando a nossa bolha de magoados, nessa sociedade da desatenção.