Se após a guerra fria o mundo parecia caminhar para uma múltipla divisão entre diversos blocos de poder, a tecnologia interrompeu esse desenho geopolítico, e tal qual o período da guerra fria o divide em dois grandes atores, China e EUA assumem o papel de líderes dessa nova divisão, movida não pela ameaça de uma terceira guerra mundial, mas por grandes empresas de tecnologia.
Para que isso ocorra, na forma e no desenho desejado pelas lideranças desses dois países, muito ainda será necessário, mas orientados pela velocidade das empresas de tecnologia (Big Techs) esses dois países realizam movimentos regulatórios, que prometem redesenhar o capitalismo, algo impensável nos maiores pesadelos de Mao Tse Tung, que certamente jamais imaginou ver a sua amada China, tendo papel preponderante no esboço de um novo capitalismo.
Nesse momento, um grupo de parlamentares, democratas e republicanos juntos (algo bem raro), está introduzindo projetos de lei que ampliam a regulação das atividades das Big Techs. Ao todo, cinco projetos que criam novos limites legais para atuação das Grandes Empresas de Tecnologias (Plataformas) que andavam de rédea solta.
Entre os assuntos tratados pelos projetos está a “A Lei de Monopólios da Plataforma”, que regulamentaria a possibilidade de interromper os potenciais conflitos de interesse ligados à operação de plataformas (quando uma empresa opera uma plataforma, mas também a usa para vender seus produtos), logo estariam nesse conceito Microsoft, Apple, Facebook, Google, Amazon e Ebay.
Os projetos tratam também da chamada Compatibilidade Aumentada e a Concorrência por Ativação da Lei de Comutação de Serviços (o que seria uma reintrodução), abrindo assim espaço para criação de regras que facilitem a portabilidade dos dados dos usuários. Uma compatibilidade de dados, com autorização dos usuários, e não pela conveniência comercial dessas plataformas que juntas trabalham, mesmo que sejam concorrentes em alguns mercados.
O chamado American Innoovation and Choice Online Act, que teria como propósito impedir a criação de discriminação de outros participantes nas plataformas de venda de serviços e produtos. E que produziria coo imediato uma competição mais clara. Já a Lei de Concorrência e Oportunidade de Plataforma, reduziria o impacto das transações de aquisições, além também da Lei de Modernização da Taxa de Arquivamento de Fusões, que também tornaria necessário que eles pagassem mais às agências governamentais pelo estudo dessas transações de aquisição.
Lembro, que foi no gabinete de Joe Biden, onde surgiu a ideia de regular os gigantes da tecnologia, e já estava no seu programa de governo, logo nenhuma delas está surpresa, ou alguém imagina que elas já sabiam, só não sabiam quando e nem com qual intensidade. Durante a campanha, Biden introduziu em seu gabinete uma série de acadêmicos, e ativistas, uma série de estudiosos da regulação das plataformas, e depois da campanha muitos republicanos também foram escalados para se incorporar nesses projetos, cuja regulação pretendem que seja mundial, e para isso contam com o apoio europeu e também da China.
É bom lembrar, que na sua fala Biden, Biden destacou a necessidade de confrontar as Big Tech(s), a Big Pharma(s) e as Big Ag(s), e reprisou Roosevelt, para se referir a uma declaração de direitos econômicos, com propósito de garantir o “direito de todo empreendedor, seja ele grande e ou pequeno, de negociar em uma atmosfera livre de concorrência desleal e domínio monopólio no país ou no exterior”.
Mas muito mais importante foram as críticas explícitas de Biden à Escola de Chicago: Biden disse ainda: “Quarenta anos atrás, escolhemos o caminho errado, na minha opinião, seguindo a filosofia errada de pessoas como Robert Bork, e paramos de aplicar leis que serviam para promover a concorrência. Passamos 40 anos na experiência de permitir que corporações gigantes acumulassem mais e mais poder. E o que ganhamos com isso? Menos crescimento, investimento enfraquecido, menos pequenas empresas. Muitos americanos que se sentem abandonados. Muitas pessoas que são mais pobres que seus pais. Acho que o experimento falhou.”
Já na China, o governo de Xi Jinping age com um punho de ferro absoluto, naquilo que eu chamo da “china sendo China”, exige submissão absoluta, e não tem problema se suas ações prejudicarem o que antes eram suas empresas fetiches que se gabava em fóruns internacionais. Enquanto na China absolutamente ninguém replica as decisões do governo, nos Estados Unidos a administração Biden enfrenta litígios, recusas e problemas de todos os tipos para implementar uma mudança que não era apenas parte do programa eleitoral que levou o atual presidente à Casa Branca, mas também tem considerável apoio não só entre seus apoiadores, mas mesmo dentro das fileiras da oposição.
É o capitalismo, na dinâmica apontada por Marx, se redesenhando.
(Publicado no site www.mistobrasilia.com, em 09 de Setembro de 2021.)