No mês em que todos precisamos acelerar a nossa adaptação a Lei Geral de Proteção dos Dados, depois de suas sucessivas postergações, o mundo assiste ao vertiginoso aumento das plataformas digitais em meio a pandemia mundial.
Como bem destacado no artigo de Peter Eavis e Steve Lohr, publicado No New York Times, e em versão traduzida no Estadão, “nos últimos meses, Amazon, Apple, Facebook, Google e Microsoft tiveram forte valorização em ações e ganharam ainda mais poder no mercado, enquanto muitas empresas registraram prejuízos; posição dominante nos EUA encontra precedentes apenas no fim do século 19. Os titãs da tecnologia dos Estados Unidos estavam voando alto antes da pandemia do novo coronavírus, ganhando bilhões de dólares por ano. Agora, os transtornos atuais os levaram a novas alturas, colocando a indústria em uma posição de dominar os negócios dos Estados Unidos de uma forma nunca vista desde os dias das ferrovias. As ações de Apple, Amazon, Alphabet (controladora do Google), Microsoft e Facebook, as cinco maiores empresas americanas de capital aberto, subiram 37% nos primeiros sete meses deste ano, enquanto todas as outras ações do S&P 500 caíram 6%, de acordo com a Credit Suisse.
Essas cinco empresas agora constituem 20% do valor total do mercado de ações, um nível de concentração que não era visto em pelo menos 70 anos. O valor de mercado de ações da Apple, o mais alto do grupo, atingiu US$ 2 trilhões em 19 de agosto – o dobro do registrado 21 semanas antes. O domínio das empresas de tecnologia no mercado de ações é impulsionado por seu alcance sem precedentes em nossas vidas. Isso ganhou ainda mais força durante a pandemia. E é por isso que os investidores migraram para essas ações este ano às custas de inúmeras empresas que sofreram durante a crise sanitária.” Esse domínio, ao mesmo tempo que modifica cultura, oferta novos riscos, nunca antes imaginados.
O domínio das novas plataformas ocorre não por oferta de serviço apenas, mas por conhecimento total e detalhado dos seus consumidores, você poderia viver sem carro, poderia viver sem muito dos que os grandes conglomerados ofertavam a duas décadas atrás, mas agora tente imaginar uma vida sem as cinco grandes plataformas que estão presentes em tudo, desde da sua comunicação diária, até o conteúdo que lhe alimenta diariamente.
Essa presença visível e invisível, traz riscos na medida que dominam nossos dados, criando dependência e ao mesmo tempo determinando a procura e a oferta, pois seus algoritmos ditam nossas escolhas, ainda que a maioria de nós não perceba.
A pandemia ampliou o uso dessas plataformas, pois o tráfego da web tem aumentado em um nível considerável, com mais de 1 bilhão de visitas diárias aos quatro grandes sites apenas nos Estados Unidos e o mesmo padrão é evidente em todo o mundo. O Facebook informou que o número de usuários diários de seus serviços em todo o mundo em junho foi 12% maior do que no ano anterior. Os negócios da Amazon, que já superavam antes seus concorrentes em e-commerce e computação em nuvem, tornaram-se ainda mais importantes para empresas e famílias. Suas ações subiram mais de 50% em relação ao pico pré-pandemia, enfatizando o quanto os investidores acham que ela foi beneficiada com a paralisação.
É evidente que não faltam críticas ao crescimento e que apontam para o fato de que as empresas cresceram em parte devido a uma série de práticas anticompetitivas. Como já tratamos em outros artigo, os reguladores europeus estão investigando se a App Store, da Apple, quebram as regras de concorrência. Nesse momento os gastos globais com o segmento aumentaram 33%, para mais de US$ 30 bilhões no segundo trimestre, de acordo com a Synergy Research, o que denota a importância e a dependência.
É preciso sim fazer dos dados a sua estratégia, pois é dessa forma que as grandes plataformas lhe tratam, a maioria daquilo que as pessoas tratam como estratégias são, na verdade, aspirações. Como o histórico discurso de John Kennedy ao Congresso dos EUA nos anos 1960, prometendo “pousar um homem na Lua e trazê-lo em segurança de volta à Terra”.
É evidente que ninguém tinha a menor ideia de como fazer, mas a estratégia da Nasa transformou a aspiração de Kennedy em capacidade. Uma estratégia é o processo de transformação de aspirações em capacidades, levando em conta o tempo, espaço e escala do que se quer fazer, como destaca Silvio Meira. Nossa história é sobre dados pessoais. A primeira lei da natureza digital, cuja filosofia é encampada na Lei Geral de Dados Pessoais (LGPD), diz “deve-se proteger os dados das pessoas”. Leis são um tipo de aspiração. Se a sociedade onde elas são emitidas tem meios, educação, cultura, sistemas, força para fazer com que sejam cumpridas, haverá estratégias, táticas e operações para que tal aconteça.
Daí nasce a importância da LGPD estabelecer uma estratégia de crescimento com transparência, no uso de dados e respeito aos limites que a Lei propõe.
O futuro que se desenha parece norteado pelo uso dos dados e a transparência do mundo corporativo e estatal no uso desses dados. A consciência e as ferramentas automatizadas para esse controle devem crescer juntas e isso dentro do conceito de cidadania digital.
A cidadania digital nasce dessa relação entre o titular dos dados e o responsável por seu tratamento, sem esse respeito a inovação perde sentido.
A inovação que não respeita os dados do usuário como extensão da sua personalidade é pura invasão, que destrói a relação de confiança entre consumidor e empresa, entre estado e cidadão.
A informação precisa de um ciclo de vida e esse ciclo de vida, construído pela relação contratual, possui limites claros e uma via informacional de duas mãos onde a transparência é a base.