Se tem algo evidente e que a pandemia só fez aflorar, é a nossa ignorância sobre o que é o que acontece na China. Temos sempre daquele país fechado, uma visão “ching Ling”distorcida pela distância, e por nosso atavismo cultural que teima em ver na China o lugar de produtos baratos e um dia, isso já faz muito tempo, de baixa qualidade.
Um relatório publicado pelo McKinsey Global Institute, intitulado: “Requalificando a China”: Transformando a maior força de trabalho do mundo em aprendizes ao longo da vida”, uma leitura obrigatória para se entender um pouco da China de hoje. O trabalho aborda o grande desafio da China, a reeducação de sua força de trabalho e a adoção de práticas como o aprendizado ao longo da vida diante da crescente transformação digital do tecido produtivo do país.
Como se percebeu, nessa pandemia, a China não apenas o maior fabricante, em alguns seguimentos por méritos próprios ela é o único fornecedor, veja no caso dos aparelhos de proteção onde apenas ela detinha 90% da fabricação do mundo, mérito dela e demérito dos demais países.
Como transformar o país que se tornou a fábrica mundial, na qual a montagem manual era quase a única opção e a mais barata devido aos seus baixos custos de mão-de-obra, em uma gigante de inteligência artificial, com a maior infraestrutura pública blockchain do mundo, com uma moeda digital em avançado estado de desenvolvimento e expansão que está fazendo o pagamento em dinheiro desaparecer, e com a maior rede 5G implantada?
O capitalismo estatal de Xi Jinping está transformando o gigante asiático em um país que surpreende qualquer visitante, mesmo que tenha estado lá recentemente: a possibilidade de elaborar e manter estratégias de longo prazo graças à ausência de alternâncias políticas está dando origem a mudanças vertiginosas e aceleradas na China, que vão desde a condução autônoma até a medicina digital, passando pelo varejo ou até mesmo pecuária.
Para qualquer lugar da China que você olha, vai ver a robotização de forma acentuada. A modernização e robotização das fábricas de montagem chinesas tem causado enormes reduções no tamanho de suas forças de trabalho que, além disso, correspondem imediatamente não apenas a um aumento de sua capacidade produtiva, mas também a uma redução drástica no número de erros. O que apenas foi acelerado ao longo da pandemia.
Ao mesmo tempo, como destacamos aqui, a China, começa a colocar suas gigantes de tecnologia (até então amplamente estimuladas), em sua rédeas curtas, como aconteceu nos casos mais emblemáticos de Alibaba e Didi. O propósito público dessas intervenções é o de coibir o seu crescimento desordenado e desrespeitoso para os consumidores, mas do outro lado da moeda o que está em jogo, é o Estado Chinês mandando dizer, quem manda!
Ao mesmo tempo, contrastando com sua imagem de grande poluidor, o país pretende alcançar a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono até 2050, e logo lançando outra transformação, a da sustentabilidade, que, aliada ao seu domínio em tecnologias como painéis solares ou baterias, também gerará forte atividade econômica e empregos especializados.
Caminhamos, para um período, que deve chegar em breve, onde a China deve dar as cartas, moldando o futuro da tecnologia. E para manter essa hegemonia em um futuro muito próximo investe desproporcionalmente em educação, notadamente na capacitação da sua força de trabalho, preparando-a para as novas oportunidades digitais com a adoção de novas práticas. Como referência saiba que já em 2019, antes da pandemia, 56% dos investimentos globais em tecnologias educacionais ocorreram na China.
Neste momento, mais de 85% das empresas chinesas são atores ativos no campo das aplicações de inteligência artificial em seu campo de atuação, em comparação com 51% das empresas norte-americanas, que é justamente o segundo país no ranking mundial.
Tudo se desenha para uma participação onipresente da China no pleno uso da IA, o que por certo deve desigualar por inteiro o que convencionamos chamar de indústria 4.0. Se décadas atrás eram competitivos pela mão de obra barata, essa característica ficou no passado. E hoje o que vemos é o elevado nível tecnológico da indústria chinesa, que ganha o mercado mundial pela escala e, agora, pela transformação digital do tecido produtivo do país.
O desafio presente para os chineses é o mesmo para países como o Brasil, a Índia ou o México. Porém, no caso chinês, mais do que referência, a velocidade e a escala inspiram reflexões, e quem sabe cuidados. Pois, como numa velha canção, toda transformação se sustenta no processo educacional, um desafio que é igual para todas as nações.
No entanto, como é possível treinar uma sociedade chinesa para adaptá-la a mudanças tão drásticas e permitir um aumento em seu padrão de vida? Dada a escala brutal do gigante asiático, estamos falando de uma transformação que leva a um terço das transições ocupacionais do mundo que ocorrem na China.
As alavancas com as quais a China pretende transformar drasticamente seu sistema educacional são quatro: digitalização, colaboração, formação profissional e mudança de mentalidade, e incentivos para a aprendizagem. Tecnologicamente, o país trabalha no desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial que permitam o diagnóstico e a individualização de suas necessidades educacionais, que receberão por meio de AR e VR em modelos híbridos online/offline, e utilizando plataformas de gamificação. Assim, disponibilizam-se vídeos e aulas para qualquer pessoa com um smartphone simples e design dinâmico de micro conteúdos em que livros didáticos tradicionais são excluídos.
O país também pretende fortalecer a colaboração entre instituições de ensino e empresas, a fim de garantir que a distância entre os treinamentos prestados e as necessidades do setor seja reduzida, e que as empresas possam encontrar um ambiente propício ao desenho de programas colaborativos. Tudo isso, juntamente com um sistema de micro conduções que, além do grau, incentiva a atualização contínua do conhecimento e o desenvolvimento de uma cultura de formação contínua ao longo da vida profissional.
Um sistema educacional adequado é uma base absolutamente fundamental para qualquer mudança social. Se você quer que seu país mude drasticamente em alguns anos, melhore a qualidade de vida de seus cidadãos, reduza seus níveis de desigualdade e, é claro, também se adapte a uma drástica digitalização e robotização, começando com um redesenho radical da educação que é absolutamente necessário. O que podemos ver é que trinta anos de trabalho em sua reforma educacional levaram o país a se tornar líder na manufatura. Porém, ser a fábrica do mundo não basta, e assim a nova reforma, no contexto de uma economia drasticamente transformada e redefinida, vai levá-la à liderança global, em números absolutos.
A China não é dada a oligopólios, se não os que o Estado participa. Veja por exemplo as inúmeras marcas de eletrodomésticos, nenhuma isoladamente possui mais do que 15% do mercado. Tente identificar qualquer concentração no setor automobilístico, onde até 10 anos atrás havia mais de 105 marcas de carros chineses.
Para você ter a dimensão do que falamos experimente, entrar ainda que virtualmente na Canton Fair, e veja quantos fornecedores o chineses tem para qualquer item que você procurar, indicando claramente que nenhuma área possui monopólio.
A evolução resultante da qualificação da mão de obra e, dessa forma, uma maior qualidade da produção humana é completamente conflitante quando confrontada com os princípios da “Indústria 4.0”, na qual tentamos progredir nos níveis de automação tanto quanto possível, pois tem sido comprovado de forma confiável que conseguir isso sempre implica maior eficiência na produção, níveis mais elevados de produção de maior qualidade e, logo, de menos erros.
O que tínhamos então era que, por vício, tendemos a relacionar a automação com modelos de produção em massa, que por sua vez estão associados a esquemas de baixo custo. Obviamente, ser capaz de espalhar custos fixos de produção entre um número maior de unidades naturalmente tende a gerar preços mais baixos.
O fato é que isso mudou radicalmente quando o aprendizado de máquina foi incorporado às cadeias produtivas. A robotização não só gera processos de produção muito mais confiáveis e livres de defeitos, mas também permite controles de qualidade muito mais completos. No entanto, os produtos artesanais ainda têm, em muitas áreas, uma marcha de qualidade. Isso nos diz que a resposta, de nenhuma outra forma, tem a ver com o tipo de processo ou indústria, e dentro de cada indústria, dependendo da abordagem estratégica das diferentes empresas que operam nele.
A China tem políticas de Estado e são essas políticas que darão a ela a liderança do mundo, com pesado investimento em educação, em um projeto que reúne todos os segmentos organizados da sociedade, num pragmatismo que só os orientais parecem ter. A Transformação digital, não é uma atitude isolada de uma empresa ou outra, mas sim um movimento patrocinado e orientado pelo Estado como protagonista de políticas que permitam a iniciativa privada fazer acontecer. E para isso basta aplicar a Constituição, pedra fundamental no desenvolvimento social sustentável.
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