É espantoso que com tanta informação disponível para investigação apurada e com tantas ferramentas de pesquisa acessíveis ainda em nossas redes sociais exista tanta desinformação.
Nossos filtros de conteúdo jamais foram tão falhos. Afinal, se antes poderíamos escolher o que ler, hoje o conteúdo nos é fornecido através da nossa “linha do tempo” em pleno Facebook ou qualquer outra rede social. Porém, é justamente pelas ferramentas organizacionais dessas redes sociais que perdemos a liberdade de escolha daquilo que queremos ver para um algoritmo(ferramenta), os textos que aparecem em nossa tela são devidamente escolhidos, e logo nunca fomos vítimas de tanta informação e de tanta desinformação, que encontra nos corações puros e olhares ingênuos na tela, o campo perfeito para fazer proliferar mentiras, calúnias e injustiças, maculando de morte, inúmeras vezes a honra de pessoas.
A comunicação, que até pouco tempo atrás era mais dificultosa quando se tratava de longitude, ganhou novos parâmetros, onde a distância já não é mais um obstáculo entre as pessoas. Hoje, conversar e se expressar tornou-se algo instantâneo e rápido.
Com todos esses aplicativos de comunicação e informação, em sua maioria, redes sociais, recebem e compartilham conteúdos, onde muitas vezes manifestam suas opiniões. Assim, os usuários dessas redes sociais, se tornam editores ativos dos mais diversos assuntos e conteúdos por eles publicados.
Neste sentido, o “click” traz consigo poder e velocidade suficiente para que as notícias e as opiniões sejam compartilhadas com o resto do mundo em questão de segundos.
Nessa esfera, cria-se um ambiente cultural intenso com um verdadeiro mix de opiniões divergentes sobre o mesmo assunto, gerando algumas vezes até debates mais acirrados e polêmicos, onde cada um defende sua posição sobre um determinado tema, se utilizando da liberdade de expressão que está instituída no Ordenamento Jurídico Pátrio como direito fundamental. Corolário da liberdade de expressão, o artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal preceitua que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”;
Todavia, existe um limite no que tange as publicações e comentários, sendo que estes não podem estar acompanhados de conteúdos discriminatórios, vexatórios e falsos, que podem infringir a dignidade e imagem das pessoas ou até mesmo de alguns grupos. Vale salientar que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é a base da estrutura que sustenta o nosso Ordenamento Jurídico e está umbilicalmente interligada com a liberdade de expressão.
A liberdade de expressão está assegurada como direito constitucional, porém, sempre há um porém, também existe limite para o exercício deste, sendo inadmissível a propagação de certos conteúdos considerados ofensivos ou falsos, podendo acarretar responsabilidades civis e até mesmo configurar crime. O artigo 19 do Decreto nº 592/92 que dispõe sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), anuncia:
“1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”.
O artigo 19, parágrafo 3, prevê a flexibilização da liberdade de expressão diante de outros princípios, não sendo considerado em termos absoluto. No mesmo parágrafo, tem-se a indicação de que as restrições devem estar asseguradas por lei. Assim, o país signatário do PIDCP – o Brasil ratificou-o em 24 de janeiro de 1992 – deve assegurar de forma proporcional e necessária tais restrições.
Algo que precisa ser refletido é que a internet não é mundo sem lei, um lugar em que pode tudo. Muitos fazem perfis fakes ou propagam notícias e informações sem veracidade e se olvidam que podem responder da mesma forma que respondem pelo mesmo crime cometido no mundo físico. Há uma falsa sensação de que a conduta ilícita cometida no âmbito virtual fica à deriva e que nada vai acontecer. Tal pensamento encoraja muitas pessoas a cometerem os mais diversos crimes virtuais.
Ao longo do tempo, podemos exercitar a história da comunicação por suas redes sociais, Fotolog, MySpace, Friendster, Orkut e Facebook são alguns dos exemplos dela, que também pode ser considerada a forma como as pessoas recebem conteúdo, cada uma dessas redes pode ser responsável por um capítulo dessa evolução na interação digital.
De lá para cá, enquanto as redes sociais explodiram, tomando tempo das pessoas e incorporando a produção do seu próprio conteúdo, a produção do conteúdo profissional por jornais e revistas foi diminuindo e a forma de remuneração saiu das páginas impressas para as redes sociais. Tudo hoje se remunera através de visualizações, compartilhamentos, curtidas e venda de dados, sendo que hoje na maioria dos jornais a publicidade digital já ultrapassa a publicidade impressa.
As redes sociais e o avanço dela bem poderiam explicar o avanço da nova economia, lastreada em dados que são gerados por visualizações, compartilhamentos e até comentários, permitindo que os algoritmos que regem a rede tenham mais informações, que quanto mais acumula mais gera a monetização para as redes sociais e elas, por sua vez, alcançam uma velocidade assustadora de evolução.
Para se ter uma idéia, 03 meses após o surgimento do Friendster, 03 milhões de pessoas já haviam se inscrito para participar da rede. Nessa mesma esteira apareceu o Linkedin, MySpace, Twitter, Facebook, Snapchat, Instagram, Google+, Tik Tok, entre muitos outros.
Porém, essas redes exigem uma redefinição dos conceitos de publicidade, seja pelos hábitos registrados em nossas curtidas e compartilhamentos, devidamente identificados pelos algoritmos dessas redes ou pelo pouco entendimento de alguns que esquecem que ao colocar na rede se coloca no mundo.
Um bom exemplo ocorreu em 2004, no que ficou conhecido como “o caso de Jessica Cutler.” Onde ela criou um blog chamado The Washingtonienne, para manter alguns amigos informados a respeito de seu dia-a-dia, de sua vida pessoal e de seus relacionamentos com homens. Foi então que ela conheceu e começou a namorar Robert, um advogado empregado por um senador norte-americano. O que Robert não sabia era que Jessica estava postando em seu blog detalhes sobre o relacionamento dos dois e as práticas sexuais de Robert. Algum tempo depois, um outro blog popular chamado Wonkette, relacionado a um tablóide digital, postou um link para o blog de Jessica, ao tomar conhecimento do fato, Jessica deletou seu blog, mas já era tarde, pois dezenas de milhares de pessoas já haviam lido seus textos e feito cópias. Em pouco tempo, o que era um pequeno blog voltado para um restrito grupo de conhecidos, tornou-se um site conhecido nacionalmente. Robert, então, terminou o relacionamento com Jessica e em maio de 2005 propôs uma ação contra ela, alegando que teve sua vida pessoal cruelmente exposta para o mundo.
De fato, Jessica ofendeu a intimidade de Robert ao publicar fatos privados a respeito dele, contudo, sua intenção era de manter aquela divulgação restrita a poucos colegas e não difundir as informações por todo o mundo, de forma que seu grau de culpa é muito menor do que as consequências de seu ato.
Ela deveria ter em mente que a possibilidade de ampla divulgação existia e, portanto, irá responder por seus atos, porém sua conduta não é tão gravosa como seria a de um indivíduo que, por exemplo, filmasse sua relação sexual com outra pessoa e postasse em um site como o YouTube, que recebe milhões de visitas a cada dia.
Aquele que posta um vídeo no YouTube o faz para que seu vídeo seja conhecido por incontáveis pessoas de todo o mundo, dessa forma, é certo que se o agente insere o conteúdo em sites de grande público, há uma razoável expectativa dele de que aquele arquivo digital seja conhecido por muitas pessoas e que saia de seu controle. Por outro lado, se o agente possui um blog, que é visitado diariamente por uma média de, por exemplo, cinco pessoas, sendo algumas conhecidas dele e outras visitantes aleatórios, ele não possui a expectativa de que qualquer informação ali inserida se espalhe por todo o mundo, apesar de tal possibilidade existir e ele deve ter consciência disso. Portanto, ao fixar o quantum devido a título de dano moral, o juiz deverá analisar se havia, por parte do ofensor, uma razoável expectativa de difusão do dado na rede ou se essa, apesar de ser uma conseqüência possível, não era esperada pelo agente, que publicou a informação em endereço na internet de baixo fluxo de usuários. Em ambos os casos o dever de indenizar existirá, contudo, o valor deverá ser mais elevado para o caso do ofensor que desejava tornar o dado difundido pela rede ou que agiu com maior desídia ao publicá-lo em site de grande fluxo de usuários. Para o caso daquele ofensor que, apesar de ter violado o direito de outrem, não esperava que seu ato alcançasse as proporções que alcançou, a indenização deverá ser mais branda.
Esse caso que já tem mais de 15 anos, poderia ser atualizado e sendo compartilhado exponencialmente, logo, com a participação permanente de jovens e de pessoas desacostumadas com o meio público faz com que cada vez mais a intensidade da produção de conteúdo, seja por comentários ou publicações ou até por compartilhamentos desenhem um cenário de crimes digitais assustadores.
Os crimes mais comuns na internet são os relacionados a honra, como calúnia, difamação e injúria, decorrência dessa velocidade em compartilhar e participar como protagonista da rede social, que acaba atropelando o exercício da cautela
No geral as redes sociais parecem ser um ambiente biliático, onde o cérebro dá lugar a bílis. Reflete-se pouco, e com dedos rápidos disparam crimes atrás de crimes.
Curioso é que parecemos que estamos diante de novas gerações que estão mais preocupados em “causar” no protagonismo da fonte, do que identificar se o que dizem e espalham faz sentido.
São tempos onde os extremos das opiniões e notícias assumem o protagonismo da verdade. A reconstrução dos valores passa por ressignificar a verdade, onde o empoderamento deve ser dos fatos narrados e comprovados e não de falsos protagonistas que procuram minutos de fama.
O Direito Penal já tipificou muitas dessas condutas, vejamos:
Calúnia
Prevista no artigo 138 do Código Penal (CP), a calúnia se caracteriza por alguém imputar falsamente a prática de algum crime a terceiro. Desse modo, quando alguém divulga nas redes sociais publicações que atribuam a prática de algum fato criminoso a terceiro, se o fato não for verídico, em tese, esse alguém pratica o crime de calúnia.
Difamação
Prevista no artigo 139 do CP, a difamação ocorre quando alguém divulga informações que ofendem a reputação de terceiro. No mundo online, as propagações de publicações que exponham fatos da vida da vítima que sejam ofensivos à imagem pública dela podem caracterizar o delito de difamação.
Injúria
Diferentemente da difamação, a injúria se caracteriza pela ofensa à honra subjetiva da vítima, o que está previsto no artigo 140 do CP. Ela ocorre quando a conduta de alguém afeta diretamente a imagem que a vítima tem de si mesma, a sua autoestima. É o que se verifica, por exemplo, no caso de xingamentos.
Nesse caso, para configuração do crime, não se faz necessário que terceiros tomem conhecimento dos fatos, mas tão somente a vítima. Desse modo, o envio de mensagens com cunho depreciativo, por meio da internet, pode caracterizar o delito de injúria.
Molestar alguém ou perturbar a tranquilidade
Apesar de não ser um crime, o envio de mensagens e fotos indesejadas à vítima, capazes de abalar sua tranquilidade, pode configurar a contravenção penal prevista no artigo 65, da Lei 3.688/41, punida com prisão simples, de 15 dias a 2 meses.
Invasão de dispositivo informático
Inserido no Código Penal pela Lei 12.737/12, conhecida popularmente como “Lei Carolina Dieckmann”, o delito de invasão de dispositivo móvel visa a tutelar a liberdade individual.
Conforme preceitua o artigo 154-A do CP, ele ocorre quando terceiros acessam, sem autorização, dispositivo informático alheio, com a finalidade de obter, modificar ou destruir informações (por exemplo, fotos íntimas, documentos etc) para conseguir vantagem indevida.
Vale ressaltar que a lei penal prevê punição mais severa para o invasor que divulga os dados obtidos. Assim, a obtenção de dados íntimos de terceiros, sem autorização, e posterior divulgação nas redes sociais pode caracterizar o crime de invasão de dispositivo móvel.
Tenho certeza que você ao ler já identificou algumas dessas condutas praticadas por muitos dos colegas de grupos de WhatsApp ou Face, afinal vivemos tempos, onde a velocidade do compartilhar para assumir o protagonismo de atenção, parece valer para os ignorantes mais do que a honra ou a privacidade de terceiros.
Um relaxamento pleno dos valores humanos, onde ignorantes e desavisados caminham de braços dados para o precipício moral, e olha que alguns deles temem a queda apenas por acreditar que a terra é plana.