É cada dia mais frequente identificar no conteúdo de algumas publicações das redes sociais o que chamamos de efeito Dunning-Kruger, um problema ligado à metacognição, a habilidade do indivíduo em monitorar seus processos cognitivos e identificar suas limitações de conhecimento e compreensão em diversas situações. Nas publicações dos “PHDs” de rede social, esse efeito se manifesta mais comumente nas pessoas como a incapacidade de reconhecer sua própria ignorância, alimentando, assim, uma ilusão de superioridade e conhecimento superestimados. De forma mais direta: quanto mais ignorante em determinado assunto, mais confiante a pessoa pode se sentir ao opinar sobre ele. O efeito leva o nome dos pesquisadores que que foram pioneiros em seu estudo.
É claro que a ignorância, acompanhada da certeza, é um problema pra lá de histórico. Como salientava Leonardo Da Vinci: “A ignorância gera mais frequentemente confiança do que o conhecimento: são os que sabem pouco, e não aqueles que sabem muito, que afirmam de uma forma tão categórica que este ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência.”
David Dunning e Justin Kruger, dois psicólogos da Universidade de Cornell, identificaram um sujeito, McArthur Wheeler, que acreditava ter o poder de ficar invisível ao passar suco de limão no rosto e, confiante na sua habilidade, assaltou dois bancos sem usar máscara alguma. Wheeler, que chegou a piscar para uma das câmeras de segurança em um dos assaltos, foi, claro, facilmente identificado pela polícia após analisarem as imagens. O mais intrigante na atitude de Wheeler é que ele não apresentava sintomas de transtornos psiquiátricos e nem estava sob efeito de entorpecentes; ele realmente acreditava em sua invisibilidade diante das câmeras ao cometer o crime. Tanto ele acreditava nisso que, relataram os policias, Wheeler ficou chocado que seu plano infalível (?) tivesse falhado e lhes teria dito, espantado: “Mas eu usei o suco de limão!” algo que nos remete ao conteúdo publicado em suas redes sociais, e sua cegueira por mitos e preconceitos.
A história pra lá de hilariante, acabou por motivar um estudo de Dunning e Kruger publicado em 1999, em que os pesquisadores investigaram o que leva um indivíduo a sentir-se tão confiante e a superestimar tanto suas habilidades sobre algo, ainda que não tivesse um conhecimento razoável para isso, o que, evidentemente, pode levar a pessoa a um comportamento absolutamente estúpido e ainda ter orgulho disso. A conclusão à que chegaram Dunning e Kruger foi a de que a ignorância gera realmente mais confiança e segurança do que o conhecimento, o que Leonardo Da Vinci, quase 500 anos antes já havia percebido.
A fé cega, que a ignorância gera certamente é patológica, e contamina todos os que estão em volta, seja na família, no trabalho ou nos grupos das redes sociais, afinal aos idiotas nunca lhes falta convicção.
Como destacava Charles Darwin: “Aqueles encontrados na escuridão dominados pelo comodismo e mentiras, a ignorância os cega. Aqueles em que os raios do Sol os atingem, a sabedoria e a realidade prevalecem.”
Foi no seu trabalho a “seleção natural” que Charles Darwin explicou a origem das espécies vivas que existem na natureza por meio da seguinte lógica: “Se existem variações nas características dos indivíduos de uma espécie; e se, ao longo do tempo, apenas indivíduos com certas características geram crias capazes de gerar novas crias; então, o mundo se encherá de cópias desses indivíduos, e os demais desaparecerão”. Ou, dito de forma genérica: se existem cópias imperfeitas de alguma coisa, e se apenas algumas dessas cópias são selecionadas (de acordo com algum critério, que no caso é a capacidade de gerar crias) apenas as cópias selecionadas deixarão crias. Ou seja, o que permanece é o que é competente em permanecer, e esse “permanecer” não é nada trivial, para que alguma coisa permaneça é preciso que haja uma “inteligência” capaz de separar continuamente sinal de ruído, sobrepujando a entropia, evitando assim que a coisa deteriore. Darwin identificou um processo que, uma vez instanciado, fica irresistível pois dadas certas condições, ele leva automaticamente ao aparecimento de um “algo” que fica estável no ambiente, ou seja, formará um padrão que não se dilui.
As espécies evoluem e isso é um requisito, pois é antes de mais nada uma mudança ao longo do tempo. Apesar de não sabermos de antemão o que será produzido, podemos garantir que alguma coisa será, porque seu padrão ficará estável. O que garante isso é o algoritmo em ação. Darwin estava interessado em espécies vivas, mas o “algo” que ganha estabilidade pode ser o que for: espécies de organismos, tecnologias, ideias, um “meme” qualquer, se o algoritmo estiver em ação, a evolução terá de ocorrer, como conclui Clemente da Nóbrega em sua obra sobre a transformação digital.
Como lembra Dora Kaufman, em recente live realizada no Futuro Presente, tudo o que está acontecendo em inteligência artificial: deep learning, machine learning, robôs, big data, analytics, algoritmos que aprendem etc, baseiam-se num conceito de fundo que é o seguinte: se temos um mecanismo que aprende a selecionar sinais (padrões que façam sentido), teremos algum tipo de inteligência em ação. Se esse mecanismo aprende continuamente, a inteligência (capacidade de selecionar) aumentará continuamente. E é isso que estamos vendo com frequência crescente, inteligências algorítmicas que se alimentam da profusão de dados na Internet e aprendem a selecionar coisas úteis com precisão cada vez maior. Algoritmos executam um amplo repertório de ações e quando implantados em substratos materiais, expandem exponencialmente a capacidade deles que podem ser carros, podem ser drones, pode ser o próprio cérebro humano, é o aprendizado de máquina em constante alimentação que faz evoluir carros e drones autônomos.
É na lógica comercial da nossa economia de atenção das redes sociais, que mora o perigo da disseminação da ignorância, pois nesse momento o algoritmo se alimenta de praticamente tudo o que é teclado, todo dia, toda hora, todo segundo, no mundo todo, e com mais sensores ligando (microfones, câmeras) outras informações e padrões que são captados por eles.
De forma assustadora o planeta estaria começando a ser conquistado (ainda que sem muito barulho) pelas forças do algoritmo digital com sua habilidade sutil para vencer o ruído na rede. Essa inteligência foi melhor notada pelo Google e por isso, nas diversas narrativas da história do Google, isso é registrado, pois vários autores relatam falas mais recentes dos fundadores do Google.
Foi com o lançamento do Google em 1998 que mais uma vez se evidenciou o acerto do que Shannon propôs como a essência do “problema da comunicação”. Parece que seus fundadores perceberam que o negócio real que tinham nas mãos não era busca na internet, era IA. Tanto que Kevin Kelly, no seu clássico livro, “Inevitável” conta o seguinte episódio: “Lá por 2002, quatro anos após o Google ter lançado seu serviço de buscas, tive uma conversa com Larry Page, o brilhante cofundador empresa. “Larry, eu ainda não entendi. Há tantas empresas de busca, como vocês vão ganhar dinheiro com busca grátis na web?” Eu não era o único que pensava que o Google não duraria muito, mas a resposta de Page não me saiu mais da cabeça: Ah, não temos interesse em ficar nisso, o que estamos realmente fazendo é uma IA”. Outra declaração intrigante apareceu quando se noticiou há alguns anos que a empresa estava escaneando todos os livros já publicados. Quando perguntados quem iria ler aquilo, a resposta foi: “Esses livros não estão sendo escaneados para serem lidos por pessoas, estão sendo escaneados para serem lidos por uma IA”.
Com a digitalização de todas as informações, quase tudo que conhecemos está datado pelo processamento de dados (sem trocadilho) filtrados do caos e confusão por algoritmos e transformados em informação por meio da interação com nossas inferiores inteligências de humanos), principalmente gerados na Internet em todo tipo de interação, onde cada click, cada link aberto, cada e-mail, cada busca, cada post no Facebook, cada foto, cada “curtida” alimenta esse banco.
Dados, sem filtros, uma das tendências também apontadas por Kelly, gera apenas ruído, e a ignorância se aproveita disso, é fundamental possuirmos filtros desse exagero de dados, os algoritmos são esse filtro, por eles novas mensagens são montadas e codificadas e posteriormente, realimentando o banco de dados de forma permanente.
O algoritmo assim evolui e vai embutindo informação nova (inteligência) a cada ciclo, e vai se transmutando sem intervenção de ninguém por meio de uma reprogramação contínua que ele faz em si mesmo. É a maneira pela qual um cérebro aprende, programada em um algoritmo. O algoritmo aprende.
Por isso, o resultado final do processo é uma competência que ele adquire; uma especialização em alguma coisa. O algoritmo gera mais inteligência para si próprio porque aprende com o que os usuários estão fazendo a cada ciclo. Ele vai ficando mais inteligente, mas os humanos que o conceberam no início não estão. Imagine onde isso pode parar, gerando assim o aprendizado de máquina.
Logo o barulho gerado pela ignorância e seu séquito de seguidores se alimenta dos seus seguidores, onde por suas crenças ideológicas estarão sempre receptivos a acreditar nas mentiras e invencionices de robôs que geram desinformação nas redes sociais.
Em que pese todo avanço tecnológico, as redes sociais, na distribuição do conteúdo de forma veloz construiu verdadeiros monstros, de acordo com a vontade de quem divulga e compartilha a notícia, que muitas das vezes vem com seu conteúdo editado para dirigir o intérprete para o lado que lhe convém, e assim reproduzimos e replicamos maldades sem fim.
Desnudar mentiras nas redes sociais, é quase sempre uma tarefa árdua para os céticos, que se entregam a pesquisa e ao estudo, algo impossível aos ignorantes. Pare por alguns minutos e veja nas suas redes sociais, quanto de conteúdo original tem na publicação do atraso, que invariavelmente apenas replica pelo compartilhamento conteúdos de terceiro, invariavelmente desconhecidos do universo acadêmico?
A percepção da produção de barbárie por ouvidos e bocas da ignorância também foi destacada pela letra fina de Nelson Rodrigues “Os idiotasvão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos…”
A lógica comercial das redes sociais acaba por empoderar idiotas, e o desafio da ciência na construção da verdade para derrubar os “falsos mitos” é permanente, extenuante, mas ao mesmo tempo necessário e urgente no enfrentamento da boa luta.
Até lá muita paciência com os adoradores de mentiras, que replicam e que quando enfrentados com a verdade dizem “Eu não sei se é verdade, mas achei importante compartilhar” Cretinos sempre tentam ser simpáticos quando dissimulam sua ignorância.