CUIDADO, REDES SOCIAIS VICIAM

Um pouco antes do escândalo da Cambridge Analytica, muitos já eram os críticos dos malefícios das redes sociais, esses críticos vinham de muitos segmentos, mas quando essas críticas chegam de referências do universo tecnológico é preciso uma pausa para reflexão.

Foi assim em janeiro de 2018, em Davos, em um debate intitulado “Podemos confiar na tecnologia?” em que um dos participantes, Marc Benioff, CEO da Sales force, destacou a participação das redes sociais no processo eleitoral, notadamente o papel do Facebook.

Bem pra quem não sabe, a Salesforce é uma empresa de tecnologia em nuvem, que, além de CRM, oferece soluções com foco em atendimento ao cliente, marketing, comunidades, inteligência artificial e muito mais, hoje a líder nesse segmento. E afinal o que é um CRM? Trata-se de um sistema completo de gestão de relacionamento com o cliente o qual ajuda no aumento das vendas, na fidelização e a ter uma visão panorâmica do negócio. CRM é a sigla para Customer Relationship Management ou, em português, Gestão de Relacionamento com Clientes, sendo ele um conjunto de técnicas, estratégias e tecnologias com o objetivo de gerenciar e analisar as interações com consumidores e otimizar cada vez mais o relacionamento entre as marcas e o seu público. Logo a opinião vinha do CEO e fundador da maior empresa do mundo que trata da relação de dados de consumidores e do uso dessas informações para relações comerciais.

Em Davos, Marc Benioff, não apenas destacou a participação e a interferência das redes sociais como também as violações de privacidade, que na opinião dele comprovavam a necessidade de regulamentação das empresas de tecnologia. O receio dele é tamanho, que ao conceder uma entrevista ao jornalista Andrew Ross Sorkin da CNBC, o executivo soltou uma pérola que repercutiu em todo universo, quando comparou as redes sociais a indústria do tabaco: “Trata-se de um produto viciante, como os cigarros, que a gente sabe que não faz bem para saúde”. Logo, seriam as redes sociais a nova nicotina, com escrevi em artigo anterior?

Afinal bolhas, filtros, algoritmos, preconceito, economia de atenção, liberdade de expressão, autonomia informacional, tudo isso nós encontramos, junto e misturado, no universo das redes sociais.

Entre os cinco sites mais acessados no mundo, quatro são redes sociais, isso dá a dimensão do papel delas em nossas rotinas e se você fizer uma pesquisa entre seus amigos sobre onde eles leram, viram ou ouviram a notícia compartilhada, vai ter a certeza de que as redes sociais podem estar criando um universo paralelo, onde o conteúdo recebido é filtrado pelos algoritmos das redes sociais com o único propósito de reter sua atenção, afinal, o negócio das redes sociais é e sempre será sua atenção, mantendo a lógica de quanto mais tempo mais dados, quanto mais dados, mais tempo, e assim se vende publicidade, produtos, serviços e marcas, que são construídas e “falsos mitos erguidos”.

Logo, bolhas para Beslay e Hakala (2007, p. 71) eram entendidas como “um espaço temporário, bem definido, que servia para juntar todas as interfaces, formatos e concordâncias para o gerenciamento de dados pessoais, de grupos, públicos e interações informacionais”.

A bolha criada pela segregação de conteúdo e de pessoas por algoritmos, que para muitos era vista como uma atividade baseada em privacidade, personalização, prioridade, locação, ambiente, circunstâncias e tempo é como “uma membrana semitransparente que pode ser sintonizada para funcionar de modo diferente dependendo do movimento e direção dos dados”.

Dessa maneira, o fluxo informacional para dentro da bolha baseia-se em requisições e necessidade de informação, pois, bolhas podem ser criadas quando quer que sejam necessárias para uma comunidade ou para uso global (Santaella, 2010, p. 166).

Em poucos anos o conceito e a percepção da intervenção dos algoritmos que segregam pessoas e conteúdos para gerar mais atenção evoluiu, seja pelo avançar de um design que prende atenção, seja pela divisão das pessoas em grupos cada dia mais homogêneos, o que empobreceu o debate, ainda que a forma radical de expor a diferença seja a maior das armas neste distanciamento.

Os algoritmos operam para detecção do perfil psíquico, social, econômico, político, enfim, a detecção da forma mentis do usuário, com publicidades que cada dia mais ficam personalizadas para o nosso gosto e necessidade, tudo com o propósito de fazer o match point do marketing digital, a chamada “conversão”.

Para isso vasculham nosso histórico de buscas e curtidas, parametrizam o nosso tempo em cada conteúdo, tudo milimetricamente estudado pelos senhores de nossas escolhas, “os algoritmos”.

Os celulares são de fato a nova nicotina, na fila do banco, na espera do consultório, somos por designs cada dia mais responsivos, embriagados de novas doses viciantes, que nos transforma em prisioneiros de suas telas.

Nossa perspectiva de vida mudou, de grandes telas e páginas de livros e revistas, para as minúsculas telas de nossos celulares, onde tudo é registrado para te oferecer novas e maiores doses.

Um vício que controla mundos paralelos de aceitação plena e distanciamento físico em troca do fraterno abraço, de um curtir no lugar de um: “Olá como vai. Tudo bem?”

É preciso uma desintoxicação digital para percebermos que existe vida longe do mundo digital e que tem muito por ser conversado, lido e discutido fora das telas dos nossos celulares.

Mais do que uma desintoxicação, é preciso entender que nossas redes são apenas uma fotografia, no meio de um álbum gigantesco que são nossas vidas, e que por maior que sejam o número de nossos seguidores, ou perseguidores, a intimidade é para poucos e em poucos momentos, no mais são só curtidas e comentários de quem está longe, ainda que próximo da tela.

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